Ucrânia. Zelenski dissolve o Parlamento mal chega ao poder

O ex-comediante promete pôr fim à corrupção e à guerra civil, mas os críticos acusam-no de querer encher o Parlamento de aliados seus.

O dramático e o insólito não são alheios ao novo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, de 41 anos, um antigo ator e comediante eleito no mês passado com uma vitória esmagadora sobre o anterior Presidente, Petro Poroshenko, que perdeu na segunda volta por uma margem de 73%. Mal tomou posse esta segunda-feira, Zelenski cumpriu a sua promessa eleitoral de dissolver o Parlamento. “O Governo não é a solução para o nosso problema, o Governo é o problema”, disse, citando outro ator tornado Presidente, neste caso o norte-americano Ronald Reagan.

Se em política forma é conteúdo, a própria entrada de Zelenski no Parlamento mostrou ao que vinha. Abdicando da tradicional escolta policial a caminho da tomada de posse, o novo Presidente atravessou uma multidão para chegar ao edifício, rodeado apenas por quatro guarda-costas, dando “mais-cincos” a espetadores e parando para tirar uma selfie com um cidadão.

Continuando no mesmo estilo populista, Zelenski propôs de imediato uma série de leis anticorrupção, incluindo o fim da imunidade diplomática dos deputados e passando por leis contra o enriquecimento no exercício de cargos públicos. Será esse o motivo da utilização da arma máxima constitucional do Presidente logo no seu primeiro dia. Zelenski pediu que os deputados “mostrem o que valem”, defendendo as suas propostas anticorrupção na campanha para as eleições, que afirmou ocorrerão já em outubro deste ano.

Contudo, muitos questionam a inocência das intenções do novo chefe de Estado, notando que o Parlamento estava recheado de aliados do antigo Presidente – e suspeitando que o verdadeiro objetivo do ex-comediante seja aproveitar a sua maré de apoio para eleger os seus próprios aliados. “Devem chegar ao poder pessoas que sirvam o público”, proclamou Zelenski.

Como se a afronta aos poderes estabelecidos não bastasse, o antigo humorista continuou a sua atuação exigindo a demissão do todo-poderoso ministro da Defesa, Stepan Poltorak, bem como do líder das secretas ucranianas e do procurador-geral – todos eles aliados do ex-Presidente. Zelenski prosseguiu para finalmente abordar o grande tema no panorama político ucraniano, a guerra civil no leste do país, em Donbass, onde o Governo enfrenta há cinco anos separatistas apoiados pela Rússia. 

“Estou pronto a fazer tudo para que os nossos heróis não morram ali, estou pronto a perder a minha popularidade e, se necessário, a perder o meu lugar para que possamos ter paz”. Durante a campanha presidencial, Zelenski conseguiu manter o foco nas suas reivindicações anticorrupção, evitando os rótulos pró-Ucrânia ou pró-Rússia, que definiram praticamente todos os atores políticos desde o início da guerra civil, que levou à morte de mais de 13 mil pessoas e à anexação da Crimeia pela Rússia. Continua por se saber exatamente como pretende acabar com a guerra e que concessões pretende fazer – sendo desconhecido também quem estará por trás da candidatura de Zelenski, cuja experiência de governação se limitou ao papel de Presidente na comédia O Servo do Povo. 

Enquanto o porta-voz do Krem-lin, Dmitri Peskov, assegurava que Vladimir Putin não fazia tensões de congratular Zelenski até que houvesse progressos quanto às negociações relativa a Donbass, vários analistas questionavam-se se a recusa de Putin seria um reflexo de tensão com o novo Presidente ou parte de um teatro político para ocultar a proximidade de Zelenski com Moscovo – num país em que Putin é o inimigo número um. O que se sabe é que Poltorak já se demitiu, bem como o primeiro-ministro Volodymyr Groysman, enquanto os deputados se mobilizam para tentar barrar a manobra de Zelenski.