Uma noiva com dois mil anos que olha para nós como se estivesse viva

Fresques des Villas Romanes é um grande e luxuoso volume – e por luxo entenda-se aqui não apenas a qualidade da encadernação, mas sobretudo a generosidade e nitidez das reproduções, estampadas em páginas rugosas cuja textura nos faz lembrar a de uma parede muito antiga.

Não é o livro mais valioso que tenho em casa, mas é seguramente o que me custou mais caro. Vi-o na montra da livraria Férin, no Chiado, e aquele vermelho intenso da capa, conhecido como ‘vermelho de Pompeia’, despertou-me um igualmente intenso sentimento de cobiça.

Decidi-me logo ali a adquiri-lo e, como não tinha liquidez suficiente, durante meses e meses andei a juntar moedinhas numa lata: um euro aqui, dois euros ali, mais uns trocos acolá. Quando finalmente consegui reunir o dinheiro necessário, dirigi-me à livraria, mas o livro já tinha sido comprado por outra pessoa. Tive de o encomendar e ficar a aguardar mais algum tempo. Por causa disso não ficou ao preço a que o tinha visto inicialmente, que de resto já era uma pipa de massa…

Fresques des Villas Romanes é um grande e luxuoso volume – e por luxo entenda-se aqui não apenas a qualidade da encadernação, mas sobretudo a generosidade e nitidez das reproduções, estampadas em páginas rugosas cuja textura nos faz lembrar a de uma parede muito antiga. Elas mostram-nos em todo o seu esplendor as pinturas que ornamentavam as casas mais ricas da Roma Antiga, cujos nomes são também eles profundamente evocativos: Casa do Fauno, Villa dos Mistérios, Casa do Labirinto, Casa da Pulseira de Ouro, Casa do Poeta Trágico ou Casa do Esqueleto, só para citar alguns. Quando não era possível determinar o nome do proprietário, atribuía-se à casa uma designação de acordo com os temas das pinturas nas paredes ou com o que as escavações tinham revelado de mais especial ou inusitado.

Alguns desses frescos, fosse devido à erupção do Vesúvio ou a outras causas, ficaram excecionalmente preservados ao longo de dois mil anos. Os especialistas dividem-nos em estilos -I, II, III e IV – mas eu prefiro deixar essas classificações de parte e tentar perceber como eles nos revelam as várias dimensões da vida e da cultura na Roma Antiga. Uns exibem sólidas realizações humanas (perspetivas de edifícios, e os romanos eram construtores exímios); outros recordam-nos o peso da herança grega, traduzida em cenas da mitologia como Narciso a ver-se ao espelho; outros ainda reproduzem retalhos da natureza, como jardins frondosos ou passarinhos a debicar em peças de fruta. É o caso da imagem que ornamenta a capa. E na Villa dos Mistérios há um extraordinário instantâneo de uma criada a pentear o que se supõe ser uma noiva, que olha para nós como se estivesse viva.

No fundo, temos nestas paredes quase uma síntese do que viria a ser a história da pintura: edifícios, paisagens, cenas mitológicas, retrato, cenas do quotidiano. E, com boa vontade, não será difícil ver, aqui e ali, um apontamento que aponta até o caminho da pintura abstrata.