Desculpas esfarrapadas…

Desde comboios a barcos envelhecidos, ao Metro e à Carris com problemas de manutenção, o quadro recomendava prudência e bom senso. Mas nada disso importou

É comovente o ‘estado de alma’ do Governo. Há um caos nos transportes públicos – e uma quase rebelião de utentes por causa dos barcos parados – e logo o ministro Pedro Nuno Santos aparece, em nome do Governo, a bater com a mão no peito e a pedir desculpa. É um avanço notável.

Claro que são desculpas esfarrapadas. Quando António Costa lançou mão, demagogicamente, do expediente eleitoral dos passes sociais ‘a pataco’, devia ter feito as contas à capacidade da rede – já muito afetada pelas várias ‘perturbações’ -, além dos encargos para a Fazenda. 

Desde comboios a barcos envelhecidos, ao Metro e à Carris com problemas de manutenção, o quadro recomendava prudência e bom senso. Mas nada disso importou. Resultado: disparou a procura e piorou a oferta, com o expediente dos operadores a retirar assentos para caberem mais passageiros apinhados. 

Em ano de eleições, promete-se o que não se pode – e simula-se depois um ato de contrição. É ‘simplex’…

Tão ‘simplex’ como as filas intermináveis nas lojas do cidadão para tratar de assuntos de ‘lana caprina’, seja renovar o Cartão de Cidadão, tratar de impostos ou obter um esclarecimento da Segurança Social. 

O ‘simplex’ transformou-se em ‘via crucis’, com martírio e autoflagelação garantidos para milhares de pessoas, madrugadoras forçadas, para ‘conseguir a senha’ antes que esgotem, mal abrem as portas.

É uma realidade banal e já tão interiorizada que o Governo nem se retrata pela degradação dos serviços públicos, o que seria expectável depois de oferecer o bónus das 35 horas ao funcionalismo.

Mas se é este o quadro terceiro-mundista, com cidadãos em stresse e noites sem dormir, já a administração tributária, diligentemente, soube desencadear uma ‘política de proximidade’, destacando inspetores para a estrada, com cobertura da GNR, para ‘facilitarem’ o pagamento das obrigações fiscais em atraso.

Em vez de o contribuinte relapso gastar os nervos em filas nas repartições, os agentes tributários foram ao seu encontro, ‘poupando-o’ a maçadas. 

Pagamento na hora. Mas se o contribuinte não dispuser de liquidez bastante para honrar a cortesia do ‘balcão volante’, nenhum problema: garantem-lhe a ‘guarda’ do carro, com penhora, enquanto se resolve o assunto. Um verdadeiro serviço ‘à la carte’…

Claro que, em contrapartida, o Estado pode comportar-se como um fidalgo arruinado e adiar indefinidamente os pagamentos aos seus fornecedores, atrasar pensões, postergar obras urgentes (como a oncologia pediátrica no Porto), cativar investimentos. Mas esse é o privilégio dos eleitos…

Bastou, todavia, que a televisão espreitasse a eficiência da ‘Ação sobre Rodas’ do Fisco para gerar uma onda de protestos. Célere, o Governo suspendeu a ‘brilhante ideia’, explicando que esta não tinha obtido, previamente, o aval a «nível central».

Provou-se na prática, que a descentralização administrativa já funciona por sua conta e risco, sem precisar da regionalização ou do ‘visto’ do Terreiro do Paço.

Ministro das Finanças, secretário de Estado e diretora-geral da máquina tributária ‘assobiaram ao cochicho’ (como diria em tempos Marcelo-comentador), e ‘sacudiram a água do capote’, como se não tivessem a obrigação de saber o que se passa em casa. 

Aliás, a mesma ‘política de proximidade’ já tinha sido prometida pelas Finanças para os casamentos e festivais de Verão, e só recuaram por motivos eleitorais à vista. 

A intensificação do confisco ficou, por agora, a ‘marinar’, porque a quatro meses das legislativas António Costa não quer sarilhos e deseja que os seus concidadãos continuem a viver a ilusão do ‘fim da austeridade’.

Por isso, os governantes passaram a ser mais afetuosos, chegando ao ponto de dirigirem um «pedido de desculpas às pessoas, cujo dia-a-dia é afetado pelas supressões nos transportes» (Pedro Nuno Santos dixit), ou a reconhecerem que «uma ação inspetiva que perturbe o normal funcionamento de uma cerimónia ou festa de casamento não pode ser considerada proporcional (…)», segundo o gabinete de Centeno.

Tão engraçado como Pedro Nuno Santos ou Mário Centeno nestas rábulas só o inesquecível ex-ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que carregou Sócrates aos ombros até ao limiar da bancarrota – e que conseguiu dizer, sem ter pena de si, em sede parlamentar, que afinal a escolha de Vara para administrador da CGD fora sua, isentando o ex-primeiro ministro dessa sábia opção. Um pândego. 

Com Vara detido e Sócrates a gozar a ‘vilegiatura’ na Ericeira (confiado em que o juiz decida… a seu favor), e mais uns ex-ministros e autarcas socialistas nas malhas da Justiça, o PS e o Governo bem podem repor o Perdoa-me. Às vezes, as ‘vacas que voam’ engordam demais e espalham-se…