Câmaras. Uma rota suspeita

A Polícia Judiciária ‘varreu’ 18 câmaras do Norte em busca de contratos ilegais, envolvendo uma empresa de transportes. O eurodeputado do PSD Álvaro Amaro é já um dos cinco arguidos da operação Rota Final.

Foi a rota final para os milhões de euros em adjudicações às transportadoras do grupo Transdev feitas por cerca de duas dezenas autarquias. Da mega operação da Polícia Judiciária em 18 municípios do norte resultaram já cinco arguidos – um número que não deverá ficar por aqui. As autoridades suspeitam que as empresas deste grupo eram contratadas de forma reiterada e ilegal, o que prejudicava gravemente a concorrência.

Uma das peças centrais desta investigação, entretanto já constituído arguido, é Álvaro Amaro, o social-democrata que deixou a presidência da autarquia da Guarda por ter sido escolhido por Rui Rio para o Parlamento Europeu. Segundo fonte ligada à investigação confirmou ao SOL, o social-democrata já havia saído do país há dois dias, estando atualmente em Espanha. Confrontado pelo Público, Álvaro Amaro respondeu: «Não sei de nada». A SIC noticiou que além deste processo, Álvaro Amaro está a contas com um outro em que é arguido por suspeitas de fraude na obtenção de um subsídio para o Carnaval de 2014.

Outro dos cinco arguidos da Rota Final é um dos administradores da empresa Transdev, a quem as autarquias adjudicaram milhões nos últimos anos. Os restantes são dois antigos autarcas sociais-democratas de Lamego (Francisco Lopes) e de Armamar (Hernâni Almeida). Existe ainda um alto funcionário da Câmara de Lamego que foi constituído arguido. Ao SOL, uma fonte próxima da investigação confirmou que além das adjudicações terão existido contratações menos claras e benefícios pessoais.

A investigação centra-se nos negócios de, pelo menos, 18 câmaras municipais: Águeda, Almeida, Armamar, Belmonte, Barcelos, Braga, Cinfães, Fundão, Guarda, Lamego, Moimenta da Beira, Oleiros, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, Sertã, Soure, Pinhel e Tarouca. Mas não se descarta a hipótese de virem a ser constituídos mais arguidos e investigadas mais autarquias.

Adjudicados 30 milhões em 10 anos

Se se tiverem em conta os últimos dez anos, o valor total das adjudicações destes municípios ao grupo Transdev ascende a mais de 28 milhões. Mas basta focar nos contratos dos últimos cinco anos para perceber quais as autarquias mais ‘amigas’. Os 18 municípios que estão a ser investigados pelo Ministério Público pagaram, nos últimos cinco anos, pelo menos 15,8 milhões de euros à Transdev e às várias empresas que fazem parte do grupo em Portugal ou que com ele têm relação.

Numa primeira busca no site Base.Gov, os resultados totais que surgem para a empresa Transdev não passam das duas centenas, havendo apenas alguns destes relativos a serviços prestados às autarquias, mas uma investigação do SOL passou a pente fino todos os registos das empresas detidas pela Transdev em Portugal: Transdev Mobilidade, Auto Aviação Aveirense, Caima Transportes, ETAC, Minho Bus, Rodoviária da Beira Litoral, Rodoviária da Beira Interior, Rodoviária d’Entre Douro e Minho, Transdev Douro, Transdev Interior, Transdev Norte e Transdev Portugal.

Entre as autarquias que mais se destacam estão Barcelos – cujo presidente é um dos principais arguidos da Operação Teia, que envolve o ex-presidente de Santo Tirso, Joaquim Couto -, Lamego, Oliveira de Azeméis e Guarda.

Desde 2014, a autarquia de Barcelos, atualmente liderada pelo socialista Miguel Costa Gomes, adjudicou a diversas empresas do grupo Transdev serviços que perfazem 7,3 milhões de euros – em causa estão sobretudo ajustes diretos para transporte escolar.

De seguida surge a autarquia de Oliveira de Azeméis, com adjudicações de transporte coletivo que ascendem a 2,8 milhões de euros. O terceiro município com mais adjudicações é Lamego – no total, esta autarquia gastou em cinco anos 2,7 milhões em serviços comprados às diversas empresas do grupo francês.

A Guarda é o município que se segue, com mais de 770 mil euros em adjudicações. Nesta autarquia, os investigadores estão a passar a pente fino não só a gestão do atual presidente, Carlos Alberto Monteiro (PSD), como a do anterior, Álvaro Amaro, que deixou a presidência da autarquia por ter sido escolhido por Rui Rio para o Parlamento Europeu.

Na análise feita pelo SOL não surgiram registos de adjudicações realizadas pelas autarquias de Soure, Fundão e Moimenta da Beira a estas empresas da Transdev, apesar de estarem sob suspeita. Apesar disso, basta uma breve consulta ao site da Transdev para perceber que há relações com o município de Moimenta da Beira, dado que foi a empresa que dotou «o município de uma solução económica de transporte».

Os restantes municípios cujas adjudicações o SOL analisou são a Sertã, com 453 mil euros; Pinhel, com 423 mil euros; Cinfães, com 226 mil euros; Belmonte, com 144 mil euros; Águeda, com 113 mil euros; Oliveira do Bairro, com 419 mil euros; Armamar, com 84 mil euros; Oleiros, com perto de 75 mil euros; Almeida, igualmente com 75 mil euros; e Tarouca, com 40 mil euros.

Na maioria dos casos foram feitos ajustes diretos, e não abertos concursos públicos ou consultas ao mercado. 

Se se tiverem em conta os últimos dez anos, o valor total das adjudicações destes municípios ao grupo Transdev quase duplica, face aos 15,8 milhões dos últimos quatro anos, fixando-se em mais de 28 milhões.

Um volume de negócios de 96,6 milhões em 2017

As consultas feitas pelo SOL excluíram empresas participadas, como a Renex e a Rede Nacional de Expressos. Segundo a apresentação formal da Transdev no seu site, a empresa está «presente em todo o território de Portugal continental, com especial incidência nas regiões Norte e Centro».

«A Transdev assume-se como um dos principais players do setor rodoviário de passageiros no país. A atividade da empresa incide nos setores rodoviário e fluvial, detendo 11 empresas, bem como participações na Internorte, Intercentro, Rede Nacional de Expressos, Renex e Rodoviária do Tejo», refere ainda a empresa, que diz contar com «cerca de 1900 colaboradores e uma frota de mais de 1500 viaturas».

No site é ainda possível ler que «o volume de negócios atingiu os 96,6 milhões de euros em 2017, só em Portugal».