Centeno promete reavaliar “num futuro próximo” os 542 benefícios fiscais existentes

Estudo apontou para mais de 500 benefícios fiscais espalhados pelos vários impostos, mas com especial incidência no IRS e no IRC. Ao todo representou uma despesa de quase 12 mil milhões em 2018. 

Para o ministro das Finanças é necessário levar a cabo “num futuro próximo” a “reavaliação e efetiva monitorização” dos atuais benefícios fiscais existentes em Portugal. A ideia é simples: obter uma “melhor gestão da despesa pública”. Esta é a reação de Mário Centeno ao estudo divulgado ontem que aponta para a existência de 542 benefícios fiscais no mercado português distribuídos por vários impostos, mas com especial incidência no IRS e no IRC . 

Além destes mais de 500 benefícios há que contar ainda com as taxas preferenciais do IVA. Segundo o documento, o valor global de despesa fiscal associada a estes instrumentos fixou-se, em 2018, em 11,7 mil milhões de euros. Deste total, cerca de 7,5 mil milhões de euros decorrem das taxas preferenciais do IVA, sendo que este impacto do Imposto sobre o Valor Acrescentado apenas em 2017 começou a integrar o mapa do Orçamento do Estado que contabiliza esta despesa.

De acordo com o governante, a matriz sugerida no documento – elaborado por um grupo de trabalho coordenado pela economista Francisca Guedes de Oliveira, da Católica Porto Business School – para a criação, monitorização e avaliação dos atuais e futuros benefícios fiscais constitui (tal como as cativações) um travão à despesa pública do qual se deve “fazer bom uso”. “Este estudo é produto de uma análise com uma profundidade sem precedentes em Portugal ao sistema de benefícios fiscais nacional, realizado ao longo de quase um ano, e de utilidade evidente para que se possa, num futuro tão próximo quanto possível, proceder a uma reavaliação e efetiva monitorização dos mesmos e, por outro lado, à criação de uma matriz para a criação, monitorização e avaliação dos atuais e futuros benefícios fiscais”, afirmou o ministro.

No entender de Centeno, os benefícios fiscais “são decisões políticas da maior transcendência em termos políticos, económicos, financeiros e sociais” que, por implicarem uma redução da tributação, “determinam um aumento da despesa pública” e devem por isso obedecer “à mesmíssima exigência” que se tem vindo “a estender à generalidade das áreas na despesa pública”, acrescentando que “a proliferação e a falta de uma monitorização rigorosa da eficácia e eficiência dos benefícios fiscais constituem um dos aspetos mais criticáveis do atual sistema tributário português, com relevantes consequências negativas no plano da equidade e da receita fiscal cessante”. 

Para o ministro, os princípios orientadores que devem presidir aos benefícios fiscais são “extremamente simples: maior transparência na criação de novos benefícios; monitorização mais eficaz da sua aplicação e avaliação mais rigorosa dos mesmos de acordo com o princípio da proporcionalidade”. E, para isso, será necessário que os mesmos passem a ser avaliados “desde a sua conceção até à sua extinção à luz dos seus objetivos, os quais deverão ser claros e específicos, quantificáveis e monitorizáveis através de indicadores económicos ou sociais realistas e atingíveis em face dos recursos disponíveis”.

Recorde-se que, no Programa de Estabilidade para 2019-2023 o Governo prevê uma redução da despesa com benefícios fiscais de 90 milhões de euros por ano entre 2020 e 2022, totalizando 270 milhões de euros.

Falta de transparência

O estudo sobre os benefícios fiscais em Portugal defende que o sistema em vigor é “muito complexo” e “pouco transparente” e que em alguns é preciso avaliar o grau de despesa fiscal associado e o número de beneficiários. “Os motivos de natureza política, e muitas vezes sem uma adequada fundamentação técnica, que estão subjacentes à criação dos benefícios fiscais, podem ser contrários à necessidade de simplicidade do sistema fiscal e de obrigatoriedade de controlo da despesa pública”,diz o documento. 

O relatório refere também a “incapacidade de, em alguns casos, se conseguir apurar a despesa associada e/ou o número de beneficiários” o que acaba impossibilitar a avaliação e a garantia de eficácia deste tipo de instrumentos.
Segundo o relatório, dos 542 benefícios fiscais existentes, a esmagadora maioria concentra-se nos impostos diretos, especialmente no IRS com registo de 147, nomeadamente deduções pessoais, à coleta e específicas e taxas preferenciais.

“Esta concentração pode levantar questões relativas à eficácia do instrumento”, refere o estudo para acrescentar que “quase 50% das famílias portuguesas não pagam IRS, o que significa que os instrumentos de apoio e incentivo desenhados através do sistema fiscal não chegam a uma parte muito substancial dos agregados familiares”.

O mesmo cenário acontece em relação ao IRC, imposto ao qual estão associados 121 benefícios fiscais. Neste caso, os autores do estudo dizem que cerca de um terço das empresas portuguesas não pagam IRC, sedo este aspeto particularmente evidente nas startup que, por esta via, “não usufruem de muitos” destes benefícios.

Na lista dos impostos com maior número de deduções, isenções ou outros mecanismos de ‘suavização’ da fatura fiscal segue-se o IVA (com 79), o Imposto do Selo (61) e o Imposto sobre Veículos (37).

Para evitar estas situações de “falta de transparência”, o documento recomenda que seja levado a cabo mecanismos alternativos, nomeadamente através da atribuição de subsídios. Uma alternativa que, segundo os responsáveis do relatório, “são mais facilmente controláveis” e, ao mesmo tempo, “podem abranger todos os indivíduos, empresas ou organizações e não apenas aqueles que são sujeitos passivos de impostos ou que tenham coleta”.

Além disso, defende a sua revisão por uma entidade técnica independente de cinco em cinco anos.