Parkinson. A doença discutida a três vozes

Um médico, um doente e uma cientista juntaram-se esta semana Instituto de Medicina Molecular para fazer um raio-x à doença de Parkinson.

Um dia, o médico Joaquim Ferreira viu Paulo Teixeira Pinto a ser entrevistado na televisão e houve qualquer coisa nos olhos do antigo banqueiro que o levou a pensar: ‘Este homem tem Parkinson’. Dias mais tarde, comentou a sensação com os colegas. Passado algum tempo, o médico recebeu na consulta um novo paciente – Paulo Teixeira Pinto, diagnosticado com a doença desde 2005.

A história foi partilhada na terceira sessão do ciclo de conversas ‘Horizontes iMM: Uma pergunta a três’, organizada pelo Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes em parceria com a Fundação Belmiro Azevedo. O neurologista Joaquim Ferreira, o paciente Paulo Teixeira Pinto e a cientista Luísa Lopes que estuda, em laboratório, a doença, foram os protagonistas da tertúlia.

Mas que doença é esta? Foi com essa pergunta que arrancou a conversa, moderada por António Barreto, depois de uma homenagem ao médico já falecido João Lobo Antunes – que celebrava mais um aniversário este mês. É sabido que é uma doença neurológica, que o problema está no cérebro e que é muito frequente. Mas ainda é pouco.

«Passados 60 anos, a Levadopa é ainda o medicamento mais forte e seguro para tratar a doença de Parkinson. Mas se, após 60 anos, o medicamento mais eficaz ainda é o mesmo, isso significa que temos de fazer muito mais», assinalou Joaquim Ferreira. O medicamento controla os sintomas, mas continua a faltar um que trave a progressão. Há também um problema de diagnóstico – feito através de uma «recolha de sintomas, porque não há nenhum exame que o faça, como noutras doenças».

Ainda assim, ao longo dos anos a investigação abriu mais portas: é já sabido o que se passa no cérebro dos pacientes, quais são os sintomas e qual a substância que os desencadeia – a dopamina. Sabe-se que o fator de risco principal para a doença é a idade – a partir dos 55 ou 60 anos. Contudo, há casos de doença precoce onde o fator genético tem um grande peso. «Em 95 doentes em cada 100 temos apenas o fator idade e pouco mais como impulsionador da doença. Por isso, temos um grande desafio: porque seguramente o tratamento mais eficaz seria fazermos retroceder o envelhecimento», continuou.

É aí que a investigação científica pode fazer a diferença, mas o trabalho enfrenta vários obstáculos. «Temos muito conhecimento sobre a doença mas não sabemos nada de novo há muito tempo. Isso tem a ver com a dificuldade de termos bons modelos pré-clínicos – não temos acesso ao tecido cerebral de uma forma fácil e é difícil fazer chegar ao cérebro substâncias, por isso é difícil perceber como se processa a doença. E, por isso, um ensaio clínico para uma doença assim demora muito mais do que para outras doenças», explicou a investigadora Luísa Lopes.

A investigação em laboratório em torno do Parkinson está a ser feita por várias vias: a realização de imunoterapia contra substâncias tóxicas que se agregam no cérebro, a realização de procedimentos invasivos que envolvem o acesso ao cérebro e uma terceira via, também invasiva, que recorre a células estaminais. Mas como Luísa Lopes frisou, há centenas de ensaios clínicos, alguns com resultados mais curiosos: «um ensaio mostrou-nos que a cafeína está associada a um menor risco de Parkinson», exemplificou a cientista.

No laboratório do iMM, a equipa de Luísa Lopes tem estado particularmente entusiasmada com o estudo sobre como se podem determinar sinais precoces da doença. «Uma coisa que fazemos e que é muito inovadora é, a partir de células da pele de pacientes, diferenciá-las em neurónios e ter uma assinatura neuronal. Isso pode servir, se conseguirmos validar, para perceber se uma pessoa com 50 anos com estas queixas tem ou não um funcionamento [do cérebro] diferente de outra. Não temos acesso aos neurónios dos pacientes, a não ser post mortem, exceto em situações como tumores – normalmente não se tira tecido cerebral de um doente. Por isso, para se chegar à função neuronal tem de ser por estar formas aproximadas», explicou a investigadora.

 

Viver com a doença

Primeiro começou a escrever com uma letra cada vez mais pequena, depois apercebeu-se de que vivia num mundo inodoro. E esses foram os únicos sintomas que a doença deu a Paulo Teixeira Pinto, que se mostra pouco emocional ao falar da doença – algo notado, aliás, pelo moderador António Barreto. «A doença não é a melhor coisa que pode acontecer a um homem. Outras coisas há mais dramáticas», considerou. O diagnóstico, aliás, levou-o a olhar a vida com outros olhos. Antes, vivia a correr, uma ideia que expressou ao declamar o poema Fala do Homem Nascido, de António Gedeão. Hoje, encara a vida com mais calma. Os sintomas estão controlados.

O que levou Paulo Teixeira Pinto ao médico é o que tem levado muitas outras pessoas, mas há mais sintomas a juntar à lista e a estar atento: a lentificação dos movimentos, menor agilidade, começar a andar de forma diferente (a arrastar a perna, por exemplo) e o clássico sinal dos tremores.