A república dos funcionários…

Médicos, enfermeiros, juízes, procuradores ou técnicos de qualquer coisa, todos fazem pela vida em ano eleitoral

Num partido cujo presidente, também líder parlamentar, tem toda a família empregada no Estado, é natural que, em coerência, se preocupe em transpor essa realidade clientelar para o país, aumentando o número de funcionários públicos.

Não é de estranhar, por isso, a notícia divulgada pelo Público no fim de semana na qual se anuncia que o programa eleitoral do PS «defende a entrada de mais funcionários públicos». É fácil, rende votos, e agrada às esquerdas.

O ‘monstro’ – como lhe chamou Cavaco Silva, impressionado com a dimensão da máquina estatal, que consumia quase metade da riqueza nacional –, contido a custo durante o período da troika para reequilibrar a despesa, recuperou alento durante o Governo da ‘geringonça’ e vai inchar, caso os socialistas alcancem a desejada vitória eleitoral.

O pretexto invocado para esta proposta, a fazer fé no relato, é a suposta erosão que terá deixado a administração pública «no osso», culpando a diretiva aprovada há 20 anos – por acaso num Governo socialista chefiado por António Guterres, antes de este se afastar do ‘pântano’.

O princípio então adotado – e que se quer agora revogar – permitia apenas a entrada de um novo funcionário público por cada dois que saíssem do ativo, para inverter a tendência de crescimento da legião de servidores do Estado.

Agora, com o estafado álibi da melhoria dos serviços, o PS quer aliviar os seus próprios travões e admitir gente de forma irrestrita.

Esquece, deliberadamente, que a degradação dos serviços se deveu, em primeira linha, à demagógica decisão do primeiro-ministro em exercício de repor as 35 horas no funcionalismo, apesar de o setor privado manter o regime das 40 horas.

Pior: em 2016 António Costa defendeu a alteração da lei «sem que isso implique um aumento da despesa global». Viu-se. A medida entraria em vigor em julho desse ano, já promulgada por Marcelo Rebelo de Sousa, com consequências funestas que não tardaram a surgir.

Com a ‘política de aperto’ de Mário Centeno nas Finanças, condicionando malabarismos em pessoal e horas extraordinárias, a degradação dos serviços, especialmente nos hospitais públicos, era inevitável.

O certo é que o funcionalismo conseguiu trabalhar menos e ganhar em média mais do que os colegas no privado – juntando ainda, ao privilégio do emprego garantido, a ADSE, um verdadeiro seguro de saúde para a vida.

Em 2018 o país era servido por 683 mil funcionários públicos, enquanto em 2015 o total tinha descido para 659 mil. Ou seja, o Governo de Passos Coelho procurou moderar o apetite do ‘monstro’; o PS, com o apoio das esquerdas, pretende novamente estimulá-lo. A captação de votos a qualquer preço fala mais alto.

No ensino público, por exemplo, embora a população escolar tenha diminuído, aumentou o número de professores. Num site especializado podia ler-se, recentemente, que em 2017-18 «a rede pública foi reforçada com mais dois mil docentes do que no ano anterior».

Sucede, porém, segundo o mesmo site, que a «imensa maioria» dos ‘reforços’ no corpo docente se deveu «ao número crescente de baixas médicas prolongadas e de destacamentos por doença».

E a par do elevado absentismo (há um ano rondava os 7%) vêm as greves. Curiosamente, e não obstante o seu estatuto invejável, é no setor público que se verifica o maior número de paralisações. O protesto tornou-se ‘o santo e a senha’ do funcionalismo.

É a cultura do protesto que domina o sindicalismo corporativo, desde professores a médicos, enfermeiros, juízes, procuradores ou técnicos de qualquer coisa. Todos fazem pela vida em ano eleitoral.

E como o Governo se agacha, timorato, o funcionalismo engrossa a voz, num ‘contrarrelógio’ até Outubro.

Sabendo disso, a CGTP já convocou uma ‘grande manifestação’ para coincidir com o dia em que se debate no Parlamento ‘O estado da Nação’. Desta vez, o ‘atentado aos direitos’ é a revisão do Código Laboral. Aos ‘ativistas’ não faltam ‘causas’. A ‘república dos funcionários’ é quem mais ordena…

 

Nota em rodapé – Vítor Constâncio voltou a ser ouvido em sede de inquérito parlamentar sobre o ‘aval’ concedido pelo BdP ao desastroso empréstimo da CGD a Joe Berardo, para este comprar ações do BCP. Ou seja, para Berardo aumentar a sua influência acionista no BCP, que antecedeu o ‘assalto’ a este banco privado. Apesar das falhas de memória de Constâncio, ficou exarado em ata que «nada sabia previamente» e que «nada podia fazer a posteriori. É a lei». Se ao supervisor está vedado intervir quando ‘entra pelos olhos dentro’ que um banco, ademais público, está a correr riscos descabidos, que confiança se pode ter no papel do banco central? E para que serve um governador? Haja quem explique.