Inquérito à CGD chega ao fim… ou talvez não

As perdas de milhares de euros do banco público e que obrigaram a um processo de recapitalização continuam por explicar, mesmo depois da passagem pela AR dos seus vários responsáveis.

A comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos chegou ao fim na quarta-feira, mas o relatório só será conhecido no próximo mês de julho. 36 audições depois, as contradições e os desentendimentos são a imagem pública que fica dos trabalhos da comissão, assim como os ataques entre os vários banqueiros ouvidos, desde ex-presidentes e outros responsáveis que passaram pelo banco público e pelo Banco de Portugal.

 

Vitor Constâncio

Um dos grandes alvos das audições foi o ex-governador do Banco de Portugal, que, ainda esta semana, considerou estar a ser alvo de «calúnias» no que diz respeito ao seu papel na concessão de crédito por parte da Caixa Geral de Depósitos (CGD) à Fundação José Berardo. O responsável foi mais longe e afirmou mesmo que foram propagadas «falsidades», acrescentando que o seu regresso ao Parlamento (esta semana, para uma segunda audição) resultou «dos textos e notícias publicadas».

Também escrutinado sobre as alegadas reuniões que terá mantido com Joe Berardo, Constâncio acusou o comendador de ter mentido aos deputados, quando afirmou em sede de comissão que teve «diversas reuniões» com o então governador do BdP, mas que os assuntos mencionados ficavam «entre quatro paredes».

A reação do empresário não se fez esperar. Berardo mostrou-se «incrédulo com a falta de memória» do ex-governador. «O senhor comendador está incrédulo com a falta de memória do ex-governador do Banco de Portugal relativamente a uma reunião que mantiveram os dois, a sós, no mês de julho de 2007, na sede do Banco de Portugal», afirmou fonte oficial da Fundação José Berardo.

Já em relação à possibilidade de ter tido oportunidade de travar o crédito concedido ao empresário, a resposta do ex-vice governador foi clara: o contrato entre CGD e Berardo era legal e já estava fechado quando soube dele. «O Banco de Portugal não pode anular operações de crédito já fechadas», garantiu.

 

Teixeira dos Santos

Sem arrependimentos. É desta forma que o ex-ministro das Finanças de José Sócrates, Fernando Teixeira dos Santos, falou sobre as nomeações de Armando Vara e de Carlos Santos Ferreira para a administração da Caixa. E deixou uma garantia:  «[Durante o período em que estiveram na administração da Caixa] nunca ouvi qualquer reparo crítico ao desempenho desses membros do conselho de administração». Ainda assim, admitiu que o então primeiro-ministro, José Sócrates, suscitou algumas dúvidas sobre a nomeação de Armando Vara para a CGD, por considerar que «politicamente geraria ruído mediático».

Quanto à sua relação com a instituição financeira, Teixeira dos Santos assegurou: «Não há matéria sobre a qual deva, de alguma forma, sentir necessidade de estar arrependido». E acrescentou que «a relação do Ministério das Finanças [com] a Caixa Geral de Depósitos procurou sempre pautar-se naquilo que dispõe a lei, naquilo que dispõe o Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e a legislação em geral a que a Caixa está sujeita».

No entanto, garantiu que todos falharam na CGD, incluindo gestores e políticos, apontando ainda à «informação insuficiente» e a sistemas pouco robustos. «No geral, todos falhámos. Todos nós tivemos as nossas falhas no meio disto tudo», reconheceu.

 

Armando Vara

Para o ex-administrador da Caixa, não há dúvidas de que tinha condições para assumir funções no banco público. «Dei provas de que tinha competência para exercer os cargos que exerci», disse Vara aos deputados, acrescentando: «Quando fui convidado para exercer funções de administração aceitei, porque me considerava preparado».

Também Teixeira dos Santos garantiu que Vara «não tinha menos experiência do que outros nomeados por Governos anteriores».

Já em relação ao BCP, Vara asseverou  que nunca teve qualquer papel de intervenção na guerra interna da instituição financeira. E explicou que uma das primeiras decisões da sua administração (na CGD) foi sair da carteira de ações do BCP: «Não víamos vantagem em ter participação daquela dimensão num concorrente».

Vara disse ainda que, se fosse hoje, ninguém teria aprovado operações como a concessão de crédito para compra de ações do BCP: «Se nós tivéssemos imaginado que algum daqueles créditos não iria ser honrado, não tínhamos concedido. O que aconteceu é que houve uma crise na finança internacional a que Portugal não podia ficar imune».

 

Santos Ferreira

Carlos Santos Ferreira acabou por assumir que os créditos que mais perdas geraram na CGD foram decididos no seu mandato, mas, no entanto, desculpou-se em grande parte com a crise. E também chamou a atenção para os «lucros fabulosos» que houve durante a sua liderança. Em relação a Vale do Lobo, admitiu que foi uma má operação e  deixou uma garantia: «Não conheço Vale do Lobo, nunca aceitei convites para ir a Vale do Lobo, sou um antissocial». Ao mesmo tempo, negou créditos de favor a Berardo.

Sobre Sócrates, o ex-presidente do banco público disse apenas: «Não quero dizer nada que piore a situação delicada em que ele se encontra». E acrescentou:  « [o ex-primeiro-ministro] nunca foi minha visita de casa».

 

Filipe Pinhal

O ex-administrador do BCP  (ver entrevista nas páginas 6 a 11) acusou Teixeira dos Santos de ser um um dos «pés» do triunvirato – juntamente com José Sócrates e Vítor Constâncio – responsável pelo «assalto ao BCP». Uma acusação que, para já, mereceu resposta do ex-ministro das Finanças (que o  acusou de estar apenas «empenhado em limpar a sua imagem») e de Vítor Constâncio (que considerou que o antigo administrador do BCP «não tem credibilidade»).

 

Joe Berardo

O empresário madeirense foi responsável pela audição mais mediática e que continua a ter sequelas. Depois de ter dito no Parlamento que «cada um vive com as responsabilidades», «de não ter dívidas» e ter questionado os deputados sobre se «achavam que era dono do banco», veio dias mais tarde a desculpar-se, acrescentando que não aceitava  passivamente ser tratado como «bode expiatório», mas assumindo: «No calor da discussão, excedi-me, dando algumas respostas impulsivas e não devidamente ponderadas».

Mas a situação do empresário madeirense está longe de chegar ao fim. Os deputados da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD) aprovaram  por unanimidade a comunicação ao Ministério Público (MP) da recusa da Associação Coleção Berardo em enviar em tempo documentos solicitados pela Assembleia da República. «Relembramos que, caso os documentos não cheguem no tempo pedido, iremos agir em conformidade», disse o presidente da comissão, Luís Leite Ramos.

Esta garantia surgiu depois de a associação ter recusado enviar à comissão parlamentar de inquérito ao banco público os documentos requeridos pelo CDS, justificando que «em nada poderá contribuir para o inquérito em causa». No final de maio, o CDS requereu «o envio de todas as atas de assembleias-gerais e anexos, a lista de presenças nas respetivas assembleias-gerais, os estatutos atuais e todas as versões anteriores, a lista de associados (em todas as qualidades) e detentores de títulos de participação, anual, de 2009 até à última assembleia geral». Os centristas lembraram ainda que a ACB «é designada como sendo uma das partes do acordo-quadro celebrado entre José Berardo, Fundação José Berardo, Metalgest, Moagens Associadas, SA, Associação de Coleções e os bancos credores: CGD, BCP e BES».

 

Cabral dos Santos

Coube ao ex-diretor do banco público revelar que Berardo tinha enviado uma carta a Santos Ferreira a solicitar a abertura do crédito de 350 milhões de euros para comprar ações. Esta revelação contradiz as afirmações de José Berardo no Parlamento, em 10 de maio, que tinha declarado que «foi a Caixa» que sugeriu os créditos para aquisição de ações no BCP, através de José Pedro Cabral dos Santos.

Cabral dos Santos descreveu, então, que a operação prosseguiu o seu caminho, mas não com as condições inicialmente desejadas por José Berardo, tendo acabado por ser aprovada em 28 de maio de 2007, sem aval pessoal do empresário, com um rácio de cobertura das garantias de 105% e com um ‘spread’ de 0,7%.