Transportes: bons e maus exemplos

O tema central do permanente clamor de descontentamento que faz, esse sim, regra nos transportes, tem a ver com gestão e falta de dinheiro (ou vice-versa). A verdade é que o problema se assemelha ao da ‘pescadinha de rabo na boca’, sem existir competência ou dinheiro para o resolver. 

Há dias, um familiar teve de se deslocar a Coimbra de comboio. Uma fila imensa para comprar bilhetes, escassas 3 pessoas na bilheteira a trabalhar no duro, sem descanso, esclarecendo, sugerindo alternativas, um atendimento verdadeiramente exemplar.

Partida e chegada a horas, comboio intercidades muito cómodo, viagem impecável. Regresso ao final da tarde com os mesmos padrões de qualidade, satisfação plena pelo serviço público e comentário final «muito melhor do que ir de automóvel». 

Bem sei que, sendo um caso isolado, não constitui regra. Mas quando se é bem servido, numa época em que o habitual é o ‘bota-abaixo’, também é meu dever divulgar o que corre bem.

Mas afinal, qual a razão por que conto isto? Muito simples: para referir que o problema dos transportes está bem acima dos trabalhadores! Na minha opinião, está na gestão feita por quem manda, ou seja, nos respetivos Conselhos de Gestão. Ou, mais acima, no próprio Governo.

Ouvimos há dias Pedro Nuno Santos pedir públicas desculpas pela (fraca) qualidade do serviço de transportes em Portugal, na sequência das reclamações (mais que justas) de utentes da Soflusa e CP (essencialmente das linhas regionais ou locais). Os elogios não faltaram a este ato de contrição (ficando aqui também registado o meu elogio). Mas acrescento algo que aprendi na vida profissional: as desculpas evitam-se, porque nada resolvem.

O tema central do permanente clamor de descontentamento que faz, esse sim, regra nos transportes, tem a ver com gestão e falta de dinheiro (ou vice-versa). A verdade é que o problema se assemelha ao da ‘pescadinha de rabo na boca’, sem existir competência ou dinheiro para o resolver. 

E o dinheiro escasseia porque são outras as prioridades do Governo. E os gestores que aceitam lugares de gestão nestas circunstâncias, sabendo das limitações financeiras, acabam por ser tão culpados como o Governo.

Entretanto, imagino o frenesim que iria por aí se a gestão daqueles transportes fosse privada. Jerónimo e Catarina, cada um para seu lado, não parariam de exigir a sua nacionalização. Seria um clamor uníssono, afirmando que não cumpriam com as obrigações de serviço público, etc. e tal. 

Mas, como a gestão é pública, existe um silêncio cúmplice – e, pior do que isso, absolutamente conivente e totalmente surdo às sugestões construtivas de trabalhadores e sindicatos ou às reclamações dos utentes que se sentem diariamente vilipendiados nos seus direitos.

Ainda por cima, com notícias como a sugestão de tirarem uns banquinhos no Metro para caberem mais uns quantos ‘clientes’…

P.S. – A transferência de João Félix por 120 milhões de euros já foi notícia mundial e promete dar brado. Neste assunto, há a perspetiva financeira, que logicamente o Benfica e toda a comunicação social alinhada perfilham – e a perspetiva social, que vozes isoladas assumem, preocupadas com o miúdo que ele é. 

Eu, com aquela capacidade que tenho de andar com o passo trocado, muito dificilmente me conformo com esta transferência. Este jovem precisa de crescer, ter maturidade para conviver com a responsabilidade dos milhões que vai ganhar. Podem falar de CR ou Bernardo (Silva), mas ambos saíram para clubes onde havia treinadores portugueses – Queiroz e Jardim – que os souberam acarinhar e preparar para este mundo da bola que trucida tantas potenciais estrelas. Um Benfica que forma futebolistas no Seixal com tanto carinho não os deveria vender como gado a quem dá mais dinheiro – mas salvaguardar a carreira futura dos seus ‘miúdos’ com cláusulas de rescisão porventura mais baratas mas que os ‘obrigassem’ a ficar mais uns tempos.

Manuel Boto 

Economista