O BCE de Draghi falhou

O mandato do carismático Mário Draghi à frente da autoridade monetária europeia chega ao fim em Outubro deste ano. 

Acompanhado pelo recentemente amnésico vice-presidente Vítor Constâncio desde 2011, chegou a altura de analisar os resultados desta liderança. É certo que o período em questão coincidiu com o choque brutal da crise financeira que afligiu a Europa e o mundo, que o BCE procurou combater com um dilúvio de estímulos sem precedentes. Porém, após 2,5 triliões (anglo-saxónicos) de euros em compras de ativos, taxas de juro negativas, bolhas em vários mercados, o resultado é um nível de inflação médio – na métrica mais favorável de ‘headline’ – de apenas 1,2%, ou seja, praticamente metade do objetivo estipulado de próximo de 2%. Apesar das suas boas intenções a verdade é que o BCE falhou. Resta saber se as heranças de maior desigualdade entre detentores e não-detentores de ativos, a distorção de mercados e a falta de munições para atacar uma próxima crise valeram realmente a pena.

Verdade seja dita que Draghi sempre vincou que a vertente monetária necessitava ser complementada pela componente fiscal e política. Infelizmente os políticos europeus, porventura complacentes pela acalmia temporária que o BCE comprava, arrastaram os pés em várias reformas – das quais sempre destaquei as Uniões de Mercados de Capitais e Bancária – que ainda hoje permanecem incompletas. Numa intervenção ainda esta semana no encontro anual em Sintra, a frustração do cessante Draghi face a esta inércia já soou mais a desespero pois a economia encontra-se em pleno abrandamento e o BCE de arsenal esgotado. Será necessária outra crise para o poder político finalmente acordar?

Nesse mesmo encontro, Draghi disparou das suas últimas balas como presidente, alegando que o BCE tem ferramentas para agir caso a situação se agrave. Esta declaração exacerbou ainda mais as já evidentes distorções no mercado, com a quantidade de obrigações oferecendo taxas de juro negativas a multiplicar-se – uma total aberração num ambiente de desaceleração económica. O próprio BCE considera nesta fase cortar para território ainda mais negativo a sua taxa de depósito – atualmente nos – -0.40% – perpetuando uma política experimental de índole temporária com claras intenções de supressão cambial.

Na minha opinião a via mais eficaz para o banco central produzir algum estímulo nesta fase será concentrar-se no mecanismo de transmissão principal de crédito na economia europeia – a banca comercial. Porém qualquer benesse ao setor – seja via isenção da banca pagar taxas negativas ao BCE ou ser diretamente subsidiada pelo mesmo por depósitos de retalho e PME – será politicamente tóxica e de execução tecnicamente complexa. Num continente em que o populismo se tem alimentado em grande parte da desigualdade para a qual as compras do banco central contribuíram, juntar mais gasolina ao fogo seria extremamente arriscado.

O que temos efetivamente é um objetivo de inflação que não foi atingido neste mandato, logo em termos absolutos o BCE falhou. Mas devemos considerar que é sinal de incompetência dos seus líderes ou que o mandato único de inflação deveria ser revisto? Esta é atualmente a maior incógnita do mundo monetário e enquanto não tiver resposta iremos continuar a testemunhar a repetição de medidas ineficazes.

*Gestor fundo macro no BIG – Banco de Investimento Global