Advogado de moradores diz que não há mandado de despejo

Advogado dos moradores do Prédio Coutinho diz que não há mandado judicial de despejo, mas autoridades falam de ocupação ilegal. O impasse continua.

Um dos advogados dos últimos moradores do Prédio Coutinho, em Viana do Castelo, Francisco Vellozo Ferreira, garante que “não existe nenhuma ordem judicial” para os residentes abandonarem o edifício: o prédio mais alto da capital alto-minhota que tanto tem gerado polémica nos últimos dias e que a câmara quer há anos demolir por entender que causa “poluição visual”. Depois de terem começado os trabalhos, o impasse mantém-se com seis famílias a recusarem abandonar as casas.

O Edifício Jardim, mais conhecido como Prédio Coutinho, tem demolição prevista desde 2000 ao abrigo do programa Polis, mas a batalha judicial iniciada pelos moradores travou o projeto iniciado quando era primeiro-ministro António Guterres, na altura pela mão de José Sócrates, ministro do Ambiente.

Para o local está prevista a construção do novo mercado municipal da cidade, um mercado que chegou a funcionar ali no século passado. Os moradores, por seu turno, alegam que o edifício é seguro e nunca apresentou debilidades. Foi construído a partir de 1973 por iniciativa de um antigo emigrante no Zaire, Manuel Coutinho, daí ser conhecido por esse nome.

A tentativa de despejo dos últimos moradores no prédio estava prevista para a passada segunda-feira, na sequência de uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de abril, que declarou improcedente a providência cautelar movida pelos residentes em março de 2018.

Um dos inquilinos resistentes, na sua maioria pessoas de avançada idade e com problemas de saúde, é um Capitão de Abril, o Coronel Santos, tal como adiantou o SOL na sua edição impressa deste sábado, homem que foi também comandante distrital da PSP de Viana do Castelo.

O advogado Francisco Vellozo Ferreira diz que existe apenas ”uma notificação por parte da VianaPolis no sentido de as pessoas saírem, o que é uma coisa manifestamente diferente” de uma mandado judicial de despejo. Questionado sobre a eventual retirada à força pela PSP de Viana do Castelo, que desde há uma semana consecutiva não arreda pé do Prédio Coutinho, Vellozo Ferreira afirmou que se tal acontecesse “seria um crime”, salientando não ser permitido haver uma invasão do domicílio sem um prévio despacho judicial que o autorize”.

Vellozo Ferreira, que em parceria com Magalhães Sant’Ana, está a representar diversos moradores do prédio, referiu “existirem diversos processos judiciais” ainda pendentes relacionados com a eventual expropriação do prédio, relacionados com a legalidade da expropriação do edifício e o pedido de anulação dessa mesma expropriação.

Segundo o advogado, “já decorreu um prazo suficiente para que a declaração de utilidade pública da expropriação não seja válida”, pelo que a questão do despejo dos moradores resistentes do Prédio Coutinho não é um dado adquirido. Vellozo Ferreira defende que deve “ser trilhado o caminho do diálogo” e já admitiu que o valor das respetivas indemnizações “não é a questão fundamental”, reconhecendo, no entanto, ser “uma das razões” da resistência de cerca de uma dezena de moradores.

As negociações entre advogados de ambas as partes em conflito têm decorrido e sexta-feira o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, José Maria Costa, deslocou-se ao edifício. Nos seis apartamentos que visitou, obteve apenas o “pré-acordo” de um casal, mas manifestou-se esperançado de que possa vir a ser finalmente concretizado um acordo com todos os moradores.

 

VianaPolis dá água aos moradores

Depois de ter mandado cortar a água, o gás e a eletricidade, a VianaPolis, empresa de capitais públicos, mandou este sábado entregar garrafões de água aos nove moradores que teimam em não sair dos apartamentos onde residem há décadas.

Elogiando este gesto, Vellozo Ferreira não deixou de destacar que também “as outras coisas” devem ser asseguradas a quem ainda vive no prédio, considerando que isso é “o mínimo de uma sociedade civilizada e cumpridora de um Estado de direito”, pois continuam sem água canalizada, sem gás e sem eletricidade nas residências, porque ao alargar o “perímetro de segurança”, a PSP impediu que os alimentos continuassem a ser recolhidos por uma corda.

“Legalmente, não podem ficar nem um único dia nesta situação, até porque são idosas e doentes”, mas mesmo assim, “estão muito determinadas relativamente aos seus intentos”, acrescentou Vellozo Ferreira, após o seu colega, Magalhães Sant’Ana, ter já anunciado que, caso algo de grave afete a saúde dos seus clientes, responsabilizará criminalmente os autarcas socialistas de Viana do Castelo e os administradores da VianaPolis, além de que irá participar à Ordem dos Advogados ter sido impedido mais de uma vez de contactar os seus constituintes, que não podem sair do prédio – não poderiam voltar a entrar, ficando assim consumado o despejo.

Já o autarca vianense anunciou também que a sociedade VianaPolis vai fazer uma participação à Ordem dos Advogados por alegado “incumprimento da conduta profissional e deontológica dos mandatários dos moradores”, justificando que “o advogado está obrigado a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas e é também dever do advogado não advogar contra o Direito, não usar meios ou expedientes ilegais nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação da lei”.

José Maria Costa afirmou que a sociedade VianaPolis tem observado “na conduta dos mandatários dos ocupantes do Edifício Jardim [Prédio Coutinho] claro incumprimento do código de deontologia dos advogados europeus”, acrescentando que “esta postura dos mandatários poderá colocar em risco a saúde e as condições de integridade dos ocupantes e não a da VianaPolis, pelo que caso se venha a verificar alguma situação referida a sociedade ver-se-á obrigada a responsabilizar criminalmente os mandatários”.

 

Problema de saúde pública

O médico Costa e Silva, depois de ter visitado os moradores, afirmou “haver um problema de saúde pública” no prédio, onde desde segunda-feira as pessoas não têm água para se lavarem, nem sequer para despejar pelas sanitas. “O estado geral dos moradores é de ansiedade, de incerteza e medo do futuro, há também razões de fundo para se sentirem desconfortáveis, há um problema de saúde pública, que é o facto de cortarem a água”, afirmou o médico, explicando “a dificuldade que as pessoas têm por não poderem cozinhar ou até fazerem a sua higiene” e deu, como exemplo, “o problema muito sério de uma senhora que depende de uma máquina de respiração porque poderá ter crises em que necessita de apoio respiratório e se cortarem a luz pode ser fatal”.

Na quinta-feira, depois do corte de eletricidade que a impede de continuar a utilizar a sua máquina de respiração, Maria José Ponte desmaiou, tendo batido com a cabeça no chão e sofrido ferimentos cranianos, mas recusou ir ao hospital, por temer não poder voltar a casa. Foi assistida dentro do prédio pelos Bombeiros Voluntários de Viana do Castelo, que têm prestado socorro a todas as situações desde que segunda-feira se tenta a todo o custo fazer o despejo dos últimos moradores, com base então na sentença do Tribunal Administrativo que levou a adjudicar a demolição. Raimundo Correia, filho de Agostinho Correia, de 88 anos, o morador mais idoso do Prédio Coutinho, denunciou que, em vez de seguir o estipulado, de cima para baixo, “só os apartamentos ao lado, em cima e em baixo dos que estão ocupados é que se viram rodeados por marretadas durante quase todo o dia”.

Mas para a câmara não há dúvidas: vive-se uma ocupação ilegal do edifício. José Maria Costa, a meio do seu último mandato na autarquia vianense, destacou que “a sociedade está a tomar todas as ações, sempre do ponto de vista legal, para que haja uma desocupação das frações. Somos proprietários das frações e vamos avançar com todas as medidas que estiverem ao nosso alcance”.

A autarquia pede bom senso mas não parece haver acordo à vista. E o caso está a levar a uma mobilização da sociedade civil. Nas redes socais foi marcado um protesto contra o despejo para salvar o prédio. Já ontem mobilizou-se um cordão humano a apelar à saída dos moradores.

O jornalista Joaquim Letria foi uma das figuras públicas a tomar partido: “O que preocupa uns e outros é disfarçar o défice, dar uma vaga ideia do que foi feito às poupanças de quem confiou na banca e deitar abaixo o prédio Coutinho (…) Em Viana vi, com tristeza, uma população amorfa e amedrontada a não reagir ao que lhe fazem, incluindo a esta vergonha que se passa com o prédio Coutinho. Meia dúzia de mirones a ver o que iam fazer aos velhos resistentes do Coutinho enquanto os outros punham os olhos no chão. Que tristeza de democracia esta em que vivemos…”, escreveu no jornal Minho Digital.

Do lado do Governo, o ministro do Ambiente já veio a público defender a ação da câmara. “Aqui os abusados somos mesmo nós, os poderes públicos. Estas pessoas intentaram um conjunto de ações em tribunal, previstas num Estado de Direito, e perderam-nas todas (…) As pessoas não podem estar ali, é um edifício público, que foi expropriado e que tem de começar a ser desconstruído”, disse João Matos Fernandes.

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