Uma das caras da luta do Prédio Coutinho morre em dia decisivo

Justiça aceitou uma providência cautelar e mandou restabelecer serviços. Janelas voltaram a ter vida.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga aceitou uma providência cautelar, suspendendo os despejos do Prédio Coutinho e determinando que voltasse a ser ligada de imediato a água, a eletricidade e o gás, que a VianaPolis já havia cortado. Mas o i apurou que, afinal, esse corte de eletricidade poderá ter sido informal, dado que a EDP pode nunca ter desligado a luz.

O dia seria de felicidade para os moradores se não fosse a morte de uma das caras desta luta.

Segundo revelou ao i um dos seus dois filhos, Raimundo Correia, a mãe esteve no hospital consciente até ao último dia e “angustiada com toda a situação”.

Para esta manhã de terça-feira está prevista uma saudação militar de antigos combatentes à porta do Prédio Coutinho, uma vez que, como avançou o Sol este sábado, um dos vários resistentes é o brigadeiro Costa Santos, mais conhecido como coronel Santos, que foi um capitão de Abril com um papel decisivo na Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974.

Amanhã ao fim da manhã será sepultada no cemitério de Viana do Castelo Maria Amália de Castro, de 87 anos, que deixa viúvo Agostinho Correia, de 88 anos, o habitante mais velho, que até domingo esteve impossibilitado de visitar a mulher.

“Liberdade” no Prédio Coutinho O advogado Francisco Vellozo Ferreira, um dos representantes jurídicos dos moradores, explicou ao i que “a decisão judicial deixou muito satisfeitos e muito emocionados” os seus clientes. Durante todo o dia de ontem já se viam à janela os moradores, uns a falarem ao telemóvel, outros a acenar, sorridentes.

“Eles estão também num misto de cansaço, alegria e emoção”, afirmou Francisco Vellozo Ferreira, salientando que “todos os moradores podem agora sair e voltar a entrar, podem passear no jardim, receber os seus familiares, pois, a partir de agora, o acesso ao edifício é completamente livre”, acrescentou o causídico, ainda antes do falecimento da moradora.

Por isso mesmo, ontem, a mentora do cordão humano à volta do Prédio Coutinho, que se destinava a apelar à saída dos últimos moradores, anunciou a suspensão da iniciativa, “porque já não se justificava”. Elisabete Pinto diz que o cancelamento decorre “da reposição das condições mínimas de habitabilidade” do edifício.

A Câmara Municipal de Viana do Castelo adiantou que a reposição dos serviços de água, luz e gás será feita em breve, mas ao princípio da noite apenas a eletricidade tinha sido religada, apurando o i que a EDP desconhecia qualquer suspensão de fornecimento elétrico – tudo indicando que o corte teria sido feito à sua revelia, diretamente no edifício.

O Edifício Jardim, que localmente é conhecido como Prédio Coutinho, tem a sua demolição prevista desde 2000, ao abrigo do programa Polis, mas a batalha judicial iniciada pelos moradores travou aquele projeto, durando há quase duas décadas. E o caso não está transitado em julgado, já que falta pronunciar-se agora o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

Para o local está prevista a construção do novo mercado municipal da cidade, segundo foi anunciado pela Câmara Municipal de Viana do Castelo.

O drama de uma família Segundo as suas últimas declarações registadas pelo i, Amália de Castro, de 87 anos, queixava-se de “estar a morrer”, lamentando ainda que “podia estar na companhia dos filhos”. Ao mesmo tempo, apelava a que não se esquecesse este momento, para que ficasse “na história das vergonhas da cidade” de Viana do Castelo, a capital do Alto Minho. Pedia ainda aos familiares: “Rezai por mim, fiquem com a minha lembrança”.

Maria Amália Meira de Castro completaria 88 anos no dia 19 de julho, tinha origens na freguesia de Afife, em Viana do Castelo. O marido, Agostinho Correia, tinha visitado nas últimas horas a mulher, depois de o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, o socialista José Maria Costa, ter aberto uma exceção, em face do precário estado de saúde de Maria Amália, para que fosse possível ao agora viúvo, de 88 anos, sair de casa sem ser depois impedido de entrar e ver a sua fechadura cortada, o que consumaria o despejo.

Raimundo Correia afirmou ainda ao i que o “ensaio” de demolição, na sexta-feira, “deixou toda a gente completamente chocada com o efeito das marretas”. “Não há palavras para descrever a destruição de um apartamento rigorosamente novo”, disse, acrescentando “ser um choque ser possível num país que se diz democrático, governado por um partido socialista, no fundo ter atuações nazistas animalescas”. E concluiu: “Não há palavras para descrever a situação, só visto para acreditar na raiva como isto foi feito contra todos nós”.