Debater a refundação do Estado na ‘clandestinidade’

À porta do Palácio Foz, em Lisboa, o desfile de convidados para a conferência ‘Pensar o Futuro – Um Estado para a Sociedade’, passava, esta manhã, por um bloco de cidadãos anónimos que, com mordaças e máscaras, se manifestavam por não terem uma palavra a dizer.

a conferência foi apresentada como o pontapé de saída para um debate na sociedade civil sobre a refundação do estado. mas os jornalistas receberam instruções para não citar os intervenientes e foi impedida a recolha de imagens e som durante as conversas.

a plateia compunha-se num dos salões do palácio, maioritariamente com empresários, economistas e professores universitários, entre alguns notáveis como o deputado ribeiro e castro (cds) e os sindicalistas joão proença (ugt) e joão dias da silva (fne).

mas o acesso não era complicado. apesar da manifestação, a segurança não pedia acreditações e os jornalistas, que tinham na véspera dado o nome à organização, eram deixados entrar sem qualquer pedido de identificação.

a facilidade acabava aqui. na sala dos debates não havia nenhum espaço destinado aos media que desse condições para enviar trabalho para as redacções e desde o dia anterior que todos os órgãos sabiam que estava interdita a citação dos participantes ou a recolha de imagens durante as conversas. câmara e fotógrafo só os da organização.

sofia galvão – ex-dirigente do psd e organizadora do evento que contará com passos coelho amanhã na sessão de encerramento – já tinha justificado as restrições aos media com a necessidade de evitar “constrangimento das conversas”, explicando que essa seria a forma de conseguir que não sejam noticiadas “afirmações descontextualizadas, sem autorização dos visados”.

os constrangimentos acabaram, contudo, por ser ultrapassados. enquanto no primeiro painel do dia, vítor bento e gomes canotilho optaram por prestar declarações aos órgãos de comunicação social à margem do debate, os participantes no painel sobre educação – fernando adão da fonseca, paulo guinote e rodrigo queiroz e melo – deram autorização aos jornalistas para os citarem.

mas houve também quem levasse a ideia de um debate à porta fechada a um extremo. logo no primeiro painel, um cidadão pediu a palavra para entrar na conversa sobre ‘o estado a que chegámos’ – o mote do arranque da conferência -, pedindo contudo para não ser identificado nem aparecer em imagens ou fotografias recolhidas pela organização.

dados desactualizados

com quase uma hora de atraso, o painel destinado a debater a educação ainda teve de enfrentar as dificuldades técnicas de som e de projecção de dados estatísticos que deviam servir de enquadramento à conversa, mas que foram rapidamente desmentidos pelo professor e autor do blogue a educação do meu umbigo, paulo guinote. “acho curioso que nestes dados se diga que há 21 professores por mil habitantes, porque isso significava que haveria 210 mil docentes. será que ninguém questiona isso?”, perguntou guinote, que acabou por ter resposta da organização, que explicou que os dados actualizados serão depois disponibilizados no site desta iniciativa.

mesmo assim, o secretário de estado carlos moedas – que abriu a conferência – não se livrou de ouvir paulo guinote dizer que “o relatório do fmi que é quase como o voldemort dos livros de harry potter e não poder ser citado. mas o relatório existe e está mal feito” e também “contém dados desactualizados”. “o que está ali não é a realidade. já foi”, sublinhou apontando a melhoria de desempenho que os alunos portugueses têm vindo a demonstrar em testes internacionais.

já fernando adão da fonseca (do fórum liberdade e educação) e rodrigo queiroz e melo – da associação de escolas do ensino privado e cooperativo – vieram ao debate pedir mais liberdade na escolha das escolas e autonomia nos projectos pedagógicos.

adão e silva criticou mesmo o que diz ser “um sistema de planeamento central da educação soviético”. e queiroz e melo defendeu a criação de unidades de gestão maiores, “como mega e tera-agrupamentos” e unidades pedagógica mais pequenas e flexíveis.

“é preciso uma melhor alocação dos recursos”, sustentou rodrigo queiroz e melo que identifica como uma das prioridades “horizontalizar a carreira” dos docentes, fazendo com que os vencimentos iniciais sejam mais altos e os de fim de carreira mais baixos, para facilitar a gestão financeira das escolas.

margarida.davim@sol.pt