O final inglório do conservador das pinturas do rei

Blunt guardava um segredo que podia arruinar a sua reputação de um dia para o outro. E arruinou mesmo.

O nome de Anthony Blunt – ou Sir Anthony Blunt, conforme a fase da vida – é bem conhecido no meio da História da Arte. Filho de um vigário anglicano, passou grande parte da infância em Paris, para onde a família se mudou quando o pai foi nomeado capelão da embaixada britânica na capital francesa. A experiência marcou-o para sempre, uma fez que foi em França que começou a interessar-se por arte e cultura. Mais tarde haveria ainda de matricular-se no curso de Matemática em Cambridge, mas acabaria por transitar para línguas modernas – uma mudança natural, dado ser fluente em francês.

Brilhante, culto, metódico (e snob), fazia parte de uma sociedade secreta que juntava doze dos melhores alunos de Cambridge, onde se licenciou em 1930 e se tornou professor em 1932.

Com o eclodir da guerra, serviu primeiro em França e depois no MI5, o serviço britânico de segurança interna e contra-espionagem. Mas essa interrupção não beliscou minimamente a sua meteórica carreira académica, que ficaria marcada por uma sucessão de honrarias. Logo em 1945 foi nomeado conservador da coleção de pintura do Rei; em 1947 tornou-se professor catedrático de História da Arte na Universidade de Londres e diretor do Instituto Cortauld; em 1956 foi feito cavaleiro pela Rainha Isabel II. Paralelamente, publicou um conjunto importante de obras no domínio da arte e arquitetura europeia (como o volume Art and Architecture in France, 1500-1700, da prestigiada Pelican History of Art). Não podia pedir mais.

Só que Blunt guardava um segredo que podia arruinar a sua reputação de um dia para o outro. E arruinou mesmo.

O desmascarar de uma rede de espiões britânicos que colaboravam com o KGB e a sua consequente fuga para Moscovo, em 1951, provocou um escândalo brutal. Logo aí surgiram suspeitas de que Blunt pudesse estar envolvido, uma vez que em Cambridge era muito próximo dos infiltrados Guy Burgess e Donald Maclean. Após a denúncia de um espião americano, em 1964 Blunt foi interrogado e confessou como as suas simpatias comunistas na universidade tinham conduzido a que em 1933 fosse recrutado para o lado dos russos. Justificou a traição com a atmosfera de Cambridge e o enorme «entusiasmo por qualquer atividade antifascista».

A confissão de Blunt permitiu-lhe evitar a prisão e manter o assunto em segredo por quinze anos. Mas em 1979 a publicação de um livro sobre o caso fez o escândalo rebentar-lhe na cara. Margareth Thatcher confirmou as suspeitas no Parlamento e Blunt foi despojado das condecorações e de todas as honrarias. Para evitar maiores humilhações, raramente saía de casa e refugiou-se no álcool. Poderia ter evitado esse final inglório para uma carreira gloriosa caso tivesse aceitado desertar para Moscovo com os seus comparsas em 1951. Mas isso estava fora de questão. Partilhar os belos ideais soviéticos, tudo bem; mas senti-los na pele era outra coisa completamente diferente.