Ó rias salgadas

As rias de Aveiro e da Formosa, no Algarve, alimentam-nos a alma e não só. Já deviam estar numa das listas da UNESCO

Com o reconhecimento pela UNESCO da Tapada e do Palácio Nacional (Convento, Basílica e Jardim do Cerco) de Mafra e do Santuário do Bom Jesus do Monte (igreja, escadório, parque e funicular) sobem para 17 os sítios portugueses (do continente e das ilhas) classificados como Património Mundial ou da Humanidade.

Sendo que as outras 15 vão do Alto Douro vinhateiro (deslumbrantes e inimitáveis encostas desenhadas por vinhas e recortadas por muretes de pedra), ao Convento de Cristo em Tomar (e sua rendilhada Janela do Capítulo), aos magníficos mosteiros da Batalha, de Alcobaça ou  dos Jerónimos, mais a Torre de Belém; da Universidade de Coimbra (na Alta) e Rua da Sofia (na Baixa) à paisagem cultural de Sintra (do centro da Vila à Serra, incluindo monumentos como o imponente Palácio da Pena), aos centros históricos de Évora, de Guimarães e do Porto (com a Ponte D. Luís e o Mosteiro da Serra do Pilar); da cidade fortificada fronteiriça de Elvas aos sítios pré-históricos de arte rupestre de Foz Côa, estes a meias com Espanha (Siega Verde); e, finalmente, às insulares Floresta de Laurissilva (na Madeira) e (nos Açores) paisagem da cultura da vinha no Pico e baixa ou zona central da capital da Terceira, Angra do Heroísmo.

Há, para além desta, uma outra lista de 21 sítios portugueses cujos processos de candidatura estão iniciados e que aguardam a apreciação do comité máximo da UNESCO.

Ora, sem desprimor para os locais indicados – e tanto os classificados como os pretendentes são todos únicos e extraordinários, porque verdadeiras obras-primas da natureza e da mão humana -, a verdade é que Portugal é um país com uma costa imensa e soberba e, entre as duas listas, apenas há uma candidatura ligada ao mar: a da Costa Sudoeste (incluindo esta a Costa Vicentina).

Ou seja, do Algarve Sul nada.

 

Será possível? Haverá praias melhores do que mais do que duas mãos cheias delas tanto no sotavento como no barlavento algarvio?

Portugal é lindo e a costa é toda ela fantástica, do Moledo à Costa Nova, da Figueira e da Nazaré ao Guincho e à Caparica, ou do Portinho da Arrábida a Galapos, Galapinhos ou Ferreirinha, Troia, Carvalhal, Comporta e por aí fora. E a Costa Vicentina é, de facto, incrível.

Mas, diga-se o que se disser, praias como as do Algarve não há. Com rochas e sem rochas. São únicas na Península Ibérica e na Europa.

 

Faz espécie que as Câmaras Municipais paguem todos os anos milhares de euros a uma associação qualquer para hastear uma bandeira de cor azul à entrada da praia e nunca uma só se tenha lembrado de propor as suas mais belas e boas praias como Património da Humanidade. E se elas são.

Já agora, no sul e no centro (quase a dar para o norte) de Portugal há duas maravilhas da natureza cujos braços nos enlaçam e embalam nas suas paisagens de tranquilidade espelhada do céu e numa beleza só vista porque inimaginável.

Da areia doirada que se descobre em ilha que ganha contornos com a maré que vaza na barrinha velha entre a Armona e a Culatra, ao branco puro das salinas, em que o sal é flor, lá para as bandas das Quatro Águas de Tavira ou das Gafanhas, contrastando com o negro do lodo pantanoso de Santa Luzia, de Cacela ou da Quinta do Lago na baixa mar, como da Bestida, do Bico ou da Cambeia, que atraem uma imensidão de pássaros, aos bandos, a perder de vista.

Não sendo interior esquecido, é ainda litoral muito pouco reconhecido.

Se o progresso parece ter passado ao lado, o futuro está ali.

 

Aveiro está agora mais na moda. E até nem falta quem lhe chame a Veneza de Portugal.

Aveiro não é Veneza nenhuma. O Renascimento não passou por ali.

E a beleza arquitetónica da imponente capital do Adriático está para Aveiro como a Basílica de S. Marcos para a Igreja de Jesus – embora aquela primum inter pares e esta de uma riqueza contrastante com a simplicidade da cidade e da região.

Aveiro é uma cidade simples, quase tosca – mas de um tosco com arte, como a proa de um moliceiro.

É arte despretenciosa mas trabalhada.

As rias são, no fundo, isso mesmo. Uma e outra. Tanto a Formosa como a de Aveiro. Ambas com tanto de contemplação como de faina. E são salgadas.

Mas de uma beleza arrebatadora.

E sem preço.