O estado a que isto chegou…

António Costa viu-se a braços com sarilhos que estariam fora do seu perímetro em época pré-eleitoral

O estado da Nação é o que é. Mais funcionalismo, sem melhorar a eficiência dos serviços, mas que rende votos. Mais impostos, às claras ou à sorrelfa, num insuportável agravamento da carga fiscal. Mais demagogia, com passes baratos em ano eleitoral, sem cuidar do investimento na qualidade e fiabilidade dos transportes nem dos crónicos défices de exploração das empresas. Mais jobs for the boys, para alimentar as clientelas. Mais negócios e favores para amigos e compadres. Mais bazófia e menos respeito pela verdade. Mais proibições absurdas, para dar lastro a almas censórias. Mais ideologia do ‘género’ e mais facilitismo nas escolas, despreparando gerações. Mais corrupção e menos vontade de combatê-la, porque há ‘telhados de vidro’ e nunca se sabe…

O verdadeiro balanço desta legislatura à beira do fim só a prazo será feito. O crescimento foi anémico e não dá tréguas ao futuro. Anestesiou-se o país com muito fogo-de-artifício, mas não passamos da cepa torta. As previsões de Bruxelas em relação ao PIB (1,7%) para este ano e o próximo confirmam-no.

Basta, aliás, recuar um pouco, e sobram as ‘pérolas’ de uma narrativa que tem oscilado entre o autoelogio virtuoso e o destempero ou a camuflagem, quando as coisas não correm de feição.

No regresso da cimeira europeia – vergado ao revés que matou à nascença as suas aspirações de reproduzir o espírito da ‘geringonça’ no xadrez da União –, António Costa viu-se a braços com sarilhos que estariam fora do seu perímetro em época pré-eleitoral.

Primeiro, foi o seu ex-ministro da Defesa constituído arguido, por causa da novela do rocambolesco assalto a Tancos. Depois, foi a vez de o ministro do Ambiente vir a terreiro com a ameaça de processar os últimos moradores do chamado ‘prédio Coutinho’, por causa dos ‘custos’ para o Estado do adiamento da «desconstrução» do edifício.

E como se isto não bastasse, o ministro das Finanças revelou-se outro especialista em ‘desconstrução’, ao tentar desmentir o descalabro nos hospitais públicos, que os utentes sentem na pele – explicando, sem lhe doer a alma, que a Saúde nunca esteve tão bem. Uma maravilha, que os doentes desperdiçam…

Estes e outros ‘percalços’ poderiam ser suficientes para embaraçar o Governo, se houvesse uma oposição capaz. Mas esta está ausente em parte incerta.

Para Azeredo Lopes, a decisão do Ministério Público foi algo «absolutamente inexplicável», conforme desabafou nos media.

Esqueceu-se, porém, de mencionar que, mais ‘inexplicável’, foi a trapalhada em que se envolveu – por inépcia, incompetência ou pior – na ressaca do roubo em Tancos, seguido da devolução das armas e munições em termos obscuros, ainda hoje por esclarecer.

Recorde-se que o atrapalhado ministro chegou a dizer, para estupefação geral, em entrevista ao DN em novembro de 2017: «Não sei se alguém entrou em Tancos. No limite, pode não ter havido furto».

Este ‘nevoeiro’ que perseguiu Azeredo, não lhe permitiu ver o plano inclinado em que se encontrava. Resta-lhe agora queixar-se do Ministério Público e repetir a cartilha da auto vitimização que tem servido a outros confrades.

Quanto ao ‘prédio Coutinho’ – alcunha para um mamarracho igual a tantos que desfiguram a paisagem urbana –, parecia tudo dito após a inenarrável atuação do executivo socialista do Município de Viana do Castelo… quando entrou em cena o ministro do Ambiente. Arregaçou as mangas e prometeu sentar no banco dos réus os ‘resistentes’ do edifício, para ressarcirem o Estado pelos ‘danos’ causados com a sua ‘teimosia’.

Em vez de pedir desculpa pelo comportamento afrontoso da autarquia, violador das mais elementares regras de decoro – atropelando o bom senso e, provavelmente, a legalidade –, João Pedro Matos Fernandes arvorou-se numa espécie de ‘guarda-livros’ e afirmou, a desfiar o ‘rol dos fiados’, que «estamos a fazer a conta de quanto é que está a custar à sociedade VianaPolis desde outubro de 2016». Custa a acreditar.

Recorde-se que a sociedade VianaPolis é detida em 60% pelo Estado e em 40% pela Câmara de Viana do Castelo. Já as pessoas, pelos vistos, não contam nada.

Este ‘inovador’ conceito do ‘queixoso-pagador’, a vingar, poderá ter outras luminosas aplicações. Por exemplo, a quem madruga à porta da Loja do Cidadão para obter uma senha. Ou a quem desespera no corredor da uma urgência hospitalar, ou protesta pelo adiamento de cirurgias, exames ou consultas no SNS.

Tanto mais que, a julgar pelas entrevistas de Mário Centeno, os utentes estão a ver o filme ao contrário, porquanto o ministro tem «a certeza» de que hoje o SNS «é melhor do que era em 2015. Não tenho nenhuma dúvida sobre isto». Portanto, os hospitais públicos estão de boa saúde, os doentes é que complicam…

Como uma desgraça nunca vem só, António Costa viu-se isolado na cimeira de Bruxelas, sem conseguir que fosse eleito um socialista para presidir à Comissão, hipótese apregoada e ‘plantada’ generosamente nos media portugueses, como se fossem ‘favas contadas’.

Obter apenas uma vice-presidência do Parlamento Europeu para Pedro Silva Pereira – um sobrevivente entre os fiéis ‘socráticos’ – terá sido fraco consolo, embora possa afagar o ego do eurodeputado e o do seu patrono, que tem boas razões para sorrir na Ericeira.

Finalmente, para sossego pátrio, Costa declinou o convite, de que se ufanou, para «um alto cargo internacional», a fim de continuar a servir os portugueses. Descontadas, claro, as sagradas férias a que tem direito, mesmo que se verifique alguma calamidade pública…

Encenou-se um debate sobre o ‘Estado da Nação’ sobrevoando o estado a que isto chegou. Aos gregos bastou uma legislatura para se cansarem de uma coligação de extremos, com a esquerda dominante. Primeiro Varoufakis e agora Tsipras foram os ‘mágicos’ afastados de cena.

Aos portugueses, falta ainda perceber que quem arrastou o país até ao limiar da bancarrota em 2011 pertence à mesma família política que lhes tem vendido a ficção do fim da austeridade. Um dia talvez percebam…

 

Nota em rodapé: Por lapso de paginação, o título do anterior Pátio das Cantigas saiu repetido. Embora estranhos à ocorrência, pedimos desculpa.

Nota em rodapé 2: A propósito de férias, esta coluna vai dar ‘folga’ aos seus leitores. Reaparecerá em 3 de agosto.