Realeza árabe. Excessos e abusos entre dois mundos

Um estilista morto por overdose. Um jockey deserdado por matar um secretário. Festas com abusos sexuais à mistura. Uma mulher em fuga, depois da enteada ser torturada pelo pai e depois detida pelas forças especiais. Os protagonistas destas histórias têm um ponto em comum: pertencem às multimilionárias dinastias árabes. 

Realeza árabe. Excessos e abusos entre dois mundos

É difícil não olhar com espanto para as vidas bizarras da realeza saudita, presas pelo peso do conservadorismo ao mesmo tempo que desfrutam de mais dinheiro do que seria possível gastar numa vida. É fácil perceber por onde andam: basta atentar nos muitos Ferraris e Lamborghinis trazidos do Qatar, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos (EAU), que surgem por volta do verão nas capitais europeias, onde estes príncipes árabes estudam ou escapam do calor – por entre festas luxuosas de sexo e drogas. Mas, de vez em quando, a tragédia levanta a cortina de secretismo por trás da ostentação, revelando pessoas perturbadas e divididas. Como foi o caso da morte de Khalid al Qasimi, de 39 anos, estilista e príncipe herdeiro do emirado de Xarja, o terceiro maior dos Emirados Árabes Unidos.

«Sempre me considerei um forasteiro onde quer que esteja. Sou demasiado ocidental para me adaptar no Médio Oriente, e demasiado do Médio Oriente para me adaptar no Ocidente. Ao mesmo tempo, não penso que seja o tipo de pessoa que se queira adaptar. Gosto de observar», disse Qasimi à revista Style, em 2015. Na altura, apresentava a nova linha de roupa da sua marca, Qasimi- usada por estrelas com Lady Gaga e Florence Welsh. Quatro anos depois, foi encontrado morto em Londres, no seu apartamento em Knightsbridge, entre lojas de marcas como a Prada e a Jimmy Choo. «Aparentemente houve uma festa em que alguns convidados consumiram drogas e fizeram sexo. Suspeita-se que o sheik Khalid possa ter morrido subitamente como resultado de tomar drogas», disse uma fonte anónima do tabloide The Sun, que mencionou que «os funcionários receberam ordens para se manterem calados».

As autoridades britânicas estão a tratar a morte como inexplicada, e a cortina rapidamente se fechou sob os segredos desta família real árabe. O corpo de Qasimi foi levado para a sua cidade natal de Xarja, onde centenas de pessoas se juntaram para dizer adeus. «Admirávamo-lo e víamo-lo como um dos grandes futuros líderes do país», garantiu ao Khaleej Times Ahmed al Kutbi, um dos presentes nas orações fúnebres. Fica por saber se toda esta pressão teve um papel na morte do príncipe. Ou na do seu irmão mais velho, o sheik Mohamed bin Sultan al Qasimi, que também morreu em terras britânicas, em 1999, vítima de uma overdose de heroína aos 24 anos, na casa de campo da família, em Sussex.

Silêncio e impunidade Nem sempre as únicas vítimas da realeza árabe são eles mesmos. Terá sido esse o caso de Rashid bin Mohammed al Maktoum, um dos muitos filhos do primeiro-ministro dos EAU e governante do Dubai, Mohammed bin Rashid al Maktoum. Morto em 2015, por um ataque cardíaco aos 33 anos – segundo os relatórios oficiais – Rashid conseguiu algum sucesso nas corridas de cavalos, vencendo competições internacionais, por entre alegações de dependência de drogas e uso de esteroides. E de ter assassinado um secretário do pai, segundo uma comunicação diplomática, revelada pela Wikileaks. «O filho mais velho de al Maktoum não tem um papel ativo nos assuntos do Dubai. É alegado que Rashid matou um assistente do escritório do governante, perdendo a sua oportunidade de ser o herdeiro», lê-se num relatório do consulado dos EUA no Dubai. A casualidade com que o assunto é colocado, e a ausência de uma investigação oficial, demonstra bem a impunidade das famílias reais árabes – e o silêncio que as rodeia.

Festas e abusos sexuais em Beverly Hills Não é só na Península Arábica que sheiks e emires escapam incólumes a graves acusações. Em 2015, quando a polícia de Los Angeles chegou à mansão do príncipe saudita Majed Abulaziz al Saud, em Berverly Hills – avaliada em 32 milhões de euros – encontrou uma multidão à porta. Tinha sido alertada por um vizinho, que viu uma mulher ensanguentada a gritar por ajuda – enquanto no interior os agentes encontraram «um ambiente de festa», segundo o Los Angeles Times . Depois de entrevistar testemunhas, o príncipe de 28 anos foi detido, por alegadamente forçar pelo uma mulher a fazer-lhe sexo oral. «Outras quatro vítimas alegam que sofreram os mesmos crimes – incluindo ameaças criminosas [de al Saud]», contou um representante da polícia ao The Daily Beast. Ainda assim, os procuradores optaram por não levar a julgamento o príncipe saudita, por suposta falta de provas. «O sheik está muito feliz por pôr o assunto atrás das costas e seguir em frente com a sua vida», disse na altura o seu advogado, Alan Jackson.

Princesa em fuga Quem não escapou ao tribunal foi uma das seis esposas do governante do Dubai, a princesa Haya bint al Hussein, de 45 anos, processada pelo marido por fugir do país com as suas duas filhas. A meia-irmã do rei Abdullah II da Jordânia, e amiga próxima da rainha Isabel II , refugiou-se na sua mansão na rua de Kensington Palace Garden. A primeira indicação da fuga surgiu com um poema vagamente ameaçador, intitulado Tu Viveste e Tu Morreste, publicado pelo emir do Dubai no Instagram. «O teu tempo de mentir acabou e não interessa o que fomos ou quem tu és», lia-se.

Mulheres Prisioneiras Não há certezas sobre o motivo da fuga de Haya, mas pelo menos já duas filhas tentaram escapar a al Maktoum. Primeiro foi Shamsa, em 2000 – que nunca mais foi vista – e depois a sua irmã mais nova, Latifa, que no ano passado tentou fugir num iate, mas acabou detida pelas forças especiais, após denunciar ter sido presa e torturada durante três anos, após a sua tentativa de fuga em 2002.

«Se estiveres a ver este vídeo, estou morta ou numa situação muito má», disse Latifa, num vídeo que enviou a advogados em Londres, como garantia caso lhe acontecesse. «Um homem segurava-me enquanto outro me espancava repetidamente. Disseram-me: ‘o teu pai mandou-nos bater-te até morreres’», denunciou, rematando que no reino árabe «as mulheres são descartáveis». A imprensa britânica diz que Latifa é neste momento prisioneira nos EAU – o que terá motivado a fuga da princesa jordana. «A princesa Haya finalmente descobriu o que o seu marido fez à própria filha e temeu que lhe acontecesse o mesmo a ela», contou uma fonte próxima ao The Daily Mail. 

}