Registados mais de 12 mil processos contra agentes da PSP em dez anos

Medo de atuar em situações de conflito aumenta entre os agentes da PSP. Sindicatos dizem que abertura de processos contra agentes sem justificação prejudica a proatividade dos profissionais.

Diz-se que ‘só não erra quem não trabalha’ e a sabedoria popular não costuma falhar. Imagine-se o seguinte cenário: cada vez que um polícia age perante uma determinada situação, habilita-se a ganhar um processo disciplinar. Ora, se existe essa probabilidade, então a tendência poderá ser diminuir a frequência das intervenções. Fonte da PSP explicou ao i que é cada vez mais frequente o medo dos agentes perante um serviço, por receio de represálias – e aqui fala-se dos processos.

Os números apontam para um crescimento dos processos instaurados a agentes da PSP. Num período de dez anos – entre 2006 e 2016 – foram registados cerca de 12 600 processos e, desses, 80% foram arquivados. Ou seja, apenas 2 520 processos foram concluídos.

Ao i, Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical de Profissional da Polícia (ASPP), admite que os processos disciplinares e inquéritos abertos contra agentes da PSP são um dos motivos para que os profissionais deixem de atuar. E vai na linha dos ditados populares: “O agente que mais trabalha, mais tendência tem a ter processos disciplinares e só quem não faz nada, por norma, não comete erros”.

O trabalho das forças policiais é, normalmente, escrutinado – seja dentro da PSP, seja publicamente. Quando é feita uma queixa à polícia, explica Paulo Rodrigues, “mesmo que o agente não esteja diretamente envolvido, é logo aberto um processo disciplinar e, por vezes, é a própria IGAI [Inspeção-Geral da Administração Interna] a instaurar processos disciplinares”. Quanto à IGAI, nos casos em que são divulgados vídeos nas redes sociais, por exemplo, o organismo “não falha e, em caso de dúvida, abre sempre processo disciplinar ao agente”, refere o líder sindical, acrescentando que, “ultimamente, tem sido assim”.

Nos próprios relatórios feitos pela IGAI, estão discriminados vários pontos relativamente à questão dos processos aos agentes – neste caso PSP ou GNR. E, de facto, o número tem subido de ano para ano. Segundo os dados enviados pela IGAI ao i, em 2016 foram instaurados 27 processos na IGAI contra a PSP e no ano passado o número subiu para 37.

E as mudanças não ficam pelo número cada vez maior de processos: o tipo de processos instaurados aos agentes da PSP também está a mudar. Quem alerta para esta questão é Pedro Carmo, presidente da Organização Sindical dos Policias (OSP/PSP), que explicou ao i que há cada vez mais processos “que não têm justificação para existir sequer”. E dá o exemplo de um “colega com seis meses de polícia” que, “se enganou a passar um corpo de auto [multa] e teve um processo disciplinar por causa disso”.

Agentes mudam postura De acordo com o último relatório de atividades disponibilizado pela IGAI, só neste órgão, em 2017, foram denunciadas 406 ocorrências contra agentes da PSP – entre abuso de autoridade, violação de deveres especiais, ofensas à integridade física, práticas discriminatórias ou violação de deveres gerais. Do total de denúncias recebidas, mais de metade – 226 – chegaram pelas mãos do Ministério Público.

Paulo Rodrigues considera que existem “muitas injustiças” nos processos disciplinares. “Chega alguém a queixar-se de um polícia e cria logo um conjunto de problemas”, diz. Primeiro, pelo tempo de investigação que é necessário – muitas vezes os processos transitam para os anos seguintes e demoram a ser resolvidos. “Depois, pode suspender a eventual progressão na carreira”, já que, durante o tempo da investigação ao agente, a progressão de carreira é congelada. No fim, “às vezes o processo é fechado porque chega-se à conclusão de que a queixa não teve sustentação, mas a verdade é que, mesmo sendo ilibado de tudo, esteve ali dois ou três anos à espera que o processo fosse arquivado e não foi promovido, não mudou de serviço, ou foi obrigado a mudar de serviço por causa daquele processo”, explica o presidente da ASPP. Além disso, os processos são tantos que muitos agentes precisam de abdicar das suas folgas para prestarem declarações sobre os processos de que foram alvo, o que tem estado a aumentar a insatisfação.

Os exemplos de processos contra agentes são vários. Pedro Carmo descreve um caso em que “um colega teve uma situação de ruído junto a um café e, no meio da confusão toda, foi agredido por uma jovem”. O PSP, depois de perceber que a jovem estava alcoolizada, “achou por bem, embora tivesse sido agredido, deixar passar em branco e nem sequer houve detenção – porque agredir um agente da autoridade é um crime de natureza pública e dá logo direito a detenção”. No entanto, disse o presidente da estrutura sindical, “a jovem foi apresentar queixa contra o agente no dia seguinte”.

Perante situações que consideram injustiças, “é normal que aquela história de andar à procura de serviço comece a desvanecer e o pessoal entra ao serviço e acaba por, cada vez mais, fazer só aquilo que lhe mandam e pouco mais do isso”, diz Pedro Carmo. Aliás, o presidente da OSP vai mais longe: “A vontade que os meus colegas têm é um bocado nesse sentido – vão onde têm de ir e pronto. Não quer dizer que não andem com o carro de patrulha a patrulhar, mas já não têm aquela vontade de fazer, porque são bombardeados por todo o lado, por qualquer coisa que fazem, quer seja processos disciplinares, quer seja processos-crime.”

Os agentes que operam nas zonas mais difíceis, explica Paulo Rodrigues, são também aqueles que têm mais trabalho e daí podem resultar também mais processos. Conclusão: “a tendência dos elementos que são por norma proativos é de reduzir a sua proatividade”.