PS aligeira responsabilidade de Santos Ferreira na CGD

PCP quer incluir no relatório da comissão de inquérito que o afastamento do banco público da sua missão “é da responsabilidade dos conselhos de administração da CGD e também dos sucessivos Governos”.

Terminou na passada terça-feira o prazo para os grupos parlamentares apresentarem propostas de alteração à primeira versão do relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD). O Partido Socialista quer aligeirar a responsabilidade de Santos Ferreira à frente do banco público – onde esteve entre 2005 e 2007 – lembrando que o seu mandato “coincide com a eclosão da crise financeira iniciada em 2007”, sugerindo essa proposta de alteração ao documento.

Os socialistas dizem ainda que o documento devia ter novos nomes. “O vice-presidente Maldonado Gonelha e os administradores Armando Vara, Celeste Cardona, Francisco Bandeira, Norberto Rosa e Vítor Fernandes tiveram, segundo os trabalhos da comissão, intervenção direta nos créditos mais problemáticos”.

O PS também defende que seja aligeirada a responsabilidade imputada ao acionista Estado no acompanhamento da Caixa, defendendo que “os problemas detetados pelos órgãos de controlo interno foram reportados ao Ministério das Finanças, ainda que por vezes de forma vaga ou genérica, não existindo evidência de diligências efetuadas no sentido de os colmatar”.

Já o PCP sugeriu incluir no documento que o “afastamento do banco público da sua missão” é responsabilidade não só dos conselhos de administração do banco público, mas também dos sucessivos Governos.

Além disso, os comunistas pretendem ver incluído um terceiro aditamento que alega que as opções de gestão da CGD “não estarão desligadas do facto de, em diversos casos, a escolha dos membros dos conselhos de administração se basear em critérios de natureza partidária, e não em critérios de competência, experiência profissional e idoneidade”.

No campo das recomendações a incluir no relatório, o PCP sugere ainda que se introduzam no banco público “mecanismos sistemáticos e formais, de diálogo e relacionamento efetivo com a tutela, de modo a evitar decisões casuísticas relativamente a aspetos estratégicos”. E diz que “a intromissão da CGD na chamada ‘guerra de acionistas’ do BCP (…) é um exemplo de como a CGD foi afastada dos critérios de gestão baseados no interesse público”.

Créditos problemáticos O valor de 381 milhões concedido em duas operações de crédito à Artlant (La Seda) é um dos créditos mais problemáticos. A ideia era financiar uma fábrica petroquímica em Sines, mas a empresa acabou por falir e a Caixa viu-se a braços com uma imparidade de 211 milhões de euros. No relatório foi dito que a “aceleração” deste projeto “foi reveladora da vontade política de realizar o investimento”.

Mais mediático foi o empréstimo dado a Joe Berardo de 350 milhões de euros para financiar a compra de ações do BCP. O relatório diz que “ficou esclarecido (por carta de José Pedro Cabral dos Santos [ex-diretor da CGD]) que foi o cliente a procurar a CGD, e não o contrário”. A garantia vai ao encontro do que foi dito pelo empresário madeirense quando foi ouvido pelos deputados. As conclusões da versão preliminar do relatório denotam ainda que o tratamento “não foi igual” entre vários clientes da Caixa, “como se verifica na diferença de tratamento entre o grupo Fino e o grupo Berardo”. Já em relação ao crédito de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo para comprar ações do BCP, o relatório defende que o Banco de Portugal “deveria ter realizado uma análise real da instituição em vez de aceitar informação de fraca qualidade dos seus serviços”.

Quanto a Manuel Fino, a Caixa financiou a compra de ações no BCP e na Cimpor. A imparidade ronda os 133 milhões de euros, mas o filho do empresário, que também foi ouvido no Parlamento, garantiu que não “tem meios financeiros para a pagar”. José Manuel Fino disse ainda que teria conseguido cumprir as suas obrigações financeiras caso a CGD tivesse concordado com um prolongamento da opção de recompra das ações da Cimpor por parte da Investifino. O banco acabou por não aceitar e vendeu os títulos numa oferta pública de aquisição (OPA) em 2012.

Também considerado problemático foi o financiamento de 194 milhões de euros para o financiamento da compra do empreendimento turístico Vale do Lobo e outros créditos. A exposição atingiu os 201 milhões de euros para uma perda registada de 81 milhões de euros. O ex-acionista e presidente da sociedade Diogo Gaspar Ferreira, que também já foi ouvido no Parlamento, revelou que a instituição financeira exigiu ser acionista e recusou duas propostas de fundos internacionais “credíveis” para comprar Vale do Lobo em 2013 e 2017. Segundo o antigo presidente da sociedade do resort de luxo, em 2013, um fundo de investimento inglês (que mais tarde disse ser o Moorfield) fez uma proposta de 180 milhões de euros para comprar a dívida e capital da empresa à Caixa, mas esta recusou. O responsável admitiu ainda que a Caixa acabou por ser “um acionista distante” que nem perante o incumprimento manifestou interesse em assumir a gestão do resort, quando contratualmente o poderia fazer a partir de 2010. O relatório lembra que este empréstimo “configura uma situação paradigmática de contorno das recomendações da CGD para realização do investimento”, já que o banco público entrou com 97% dos fundos, mas ficou com apenas 25%.

Já sobre as operações da Caixa Geral de Depósitos em Espanha, que geraram perdas de mais de 500 milhões de euros, as conclusões redigidas por João Almeida dizem que se centrou “não no esperado apoio aos pequenos e médios empresários portugueses com atividades ibéricas, mas na banca de investimento e no setor imobiliário”.

Sobre os Boats Caravela, operação da Caixa datada de 1999, anterior ao âmbito da comissão (2000-2015), refere que “foi evidente a falta de conhecimento e preparação para lidar com este produto [financeiro] estruturado cujas perdas de 340 milhões de euros tiveram de ser assumidas durante os anos seguintes”.

Regulador arrasado A primeira versão arrasa a forma como o banco público foi gerido e considera que o BdP pôs em causa a utilidade da supervisão na forma como exerceu os seus poderes: a supervisão do sistema financeiro foi feita “de forma burocrática, não procurando olhar para além dos rácios de solvabilidade e níveis adequados de liquidez de cada banco, e não percebendo o risco sistémico de algumas operações”.

E o documento vai mais longe: “A supervisão seguiu acriticamente as notas técnicas dos serviços do BdP, não exigindo mais informação do que aquela fornecida, demonstrando mais receio no confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraudes”. E acrescenta que o regulador “não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia”, e teve “uma confiança extrema nas linhas internas de defesa das instituições”, caso de direção de risco, auditoria e administração, assim como, nas “externas”, os revisores e auditores, pelo que “nem perante reparos, ênfases ou denúncias públicas atuou com celeridade, colocando assim em causa a utilidade da sua supervisão”.

O relatório considera que o Banco de Portugal usa a sua independência para evitar o escrutínio e que, apesar das melhorias na regulação bancária, é questionável se algo de “verdadeiramente relevante” mudou no supervisor. “As reformas, nacionais e europeias, da supervisão, após a crise, indicam que algo mudou na forma como esta é realizada. Mas, infelizmente, é legítimo duvidar que algo, verdadeiramente relevante, tenha mudado na instituição que a realiza”.

Recorde-se que as alterações e o relatório final serão debatidos e votados esta quarta-feira, em reunião da comissão.