Outra vez Robles, os parques e as isenções

Duas notícias desta semana trouxeram-me à memória Ricardo Robles e o célebre prédio reabilitado em Alfama e valorizado numa mão bem cheia de milhões de euros.

A primeira notícia diz respeito à proposta – publicitada como se se tratasse de facto consumado – de aumento dos preços do estacionamento em Lisboa e criação de mais duas novas zonas (castanha e preta) cujo valor da hora pode chegar aos três euros.

Mais uma vez, o argumento é o do desincentivo ao estacionamento e afastamento dos carros do centro da cidade.
Uma falácia. Já ninguém fumava se o aumento do preço fosse efetivamente fator determinante de dissuasão ou inibição de hábitos ou comportamentos.

A única forma de desincentivar o parqueamento automóvel à superfície nas zonas centrais da cidade é torná-lo mesmo impossível, ou seja, acabar com o estacionamento nas laterais das vias de circulação e criar estacionamento subterrâneo ou em silos – não é preciso ir muito longe para ver que esta é a única forma eficaz, de facto, para aliviar a pressão automóvel sobre os centros históricos (basta ir aqui ao lado a Madrid ou a qualquer outra cidade espanhola de média dimensão – onde pura e simplesmente deixou de haver estacionamento à superfície nas zonas de maior pressão e baixou o preço do estacionamento nos parques subterrâneos ou de silos, tornando-os efetivamente atrativos).

O aumento do preço da hora de estacionamento ou a redução do tempo válido (que é inconsequente para quem descarrega a aplicação da EMEL e faz o pagamento via telemóvel) não tem qualquer efeito prático significativo a não ser o aumento das receitas de quem cobra e das despesas de quem paga.

Por outro lado, medidas como a anunciada atribuição gratuita do dístico para o primeiro veículo dos residentes permitem, sim, que proprietários como Ricardo Robles possam assegurar um número de lugares de estacionamento gratuito pelo menos igual ao número de apartamentos criados no citado prédio – aliás, não sei mesmo se o prédio dos irmãos Robles não tem direito a uns quantos lugares de estacionamento reservados pela EMEL no seu parque subterrâneo em frente à Casa dos Bicos.

Vamos agora a outra notícia desta semana: os edifícios situados nos centros históricos classificados pela UNESCO como Património Mundial estão isentos do pagamento de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis), tal como, aliás, outras zonas chamadas ‘de proteção’ (como as Caves do Vinho do Porto, que também estão isentas não obstante faturarem milhões) – fora o mais que desconhecemos.

A lógica do legislador que instituiu tal isenção tinha por base uma realidade de quase abandono dos prédios nos centros das cidades, por falta de retorno do investimento necessário, por conflitos insanáveis de partilhas, por obstáculos criados ao licenciamento de obras ou projetos em razão da classificação dos edifícios ou da zona em que se encontravam inseridos, enfim, razões várias que levaram a um desolador cenário de quase desertificação desses (como de outros) centros históricos.

Acontece, porém, que o boom do turismo alterou por completo essa realidade. 

Hoje, essas zonas são de uma procura incomparavelmente maior, que levou a uma já quase completa reabilitação do edificado, com hotéis atrás de hotéis, hostels, alojamento local, comércio convencional em expansão, tudo sobrelotado e devidamente explorado, com uma fortíssima dose de especulação, como o prova, aliás, a valorização do famigerado prédio de Ricardo Robles.

E é assim nos centros históricos classificados (Porto, Guimarães, Évora, Elvas, Sintra, Óbidos, Angra do Heroísmo) como noutros que estão na lista de candidaturas à classificação (como Lisboa Pombalina e Lisboa Histórica – onde se inclui, obviamente a Alfama do edifício de Robles).

Ou seja, enquanto os prédios estiveram simplesmente devolutos, degradados ou habitados  a troco de rendas irrelevantes ou por resistentes bairristas que não abandonavam as suas casas por mais privações que passassem, o município cobrou IMI aos proprietários.

Agora que os velhos edifícios deram lugar a apartamentos de luxo, hotéis, hostels e quejandos, com preços de metro quadrado astronómicos e com taxas de ocupação e rendimento muito acima da média do resto da cidade e arrabaldes, olha, estão isentos de imposto ou em vias de ficar.

A Câmara de Lisboa diz-se de esquerda, de Fernando Medina a Manuel Salgado, passando por José Sá Fernandes ou pela presidente da Assembleia Municipal, Helena Roseta, autora da recentemente aprovada lei de bases da habitação.

Ricardo Robles não era o paladino da luta contra a especulação imobiliária?