Mão cheia de promessas para a saúde

Tempos de espera elevados são uma preocupação comum nos programas eleitorais já conhecidos, mas a solução é um dos pontos de divergência entre Esquerda e Direita. PCP e BE insistem no fim das taxas moderadoras, PS mantém faseamento da medida. 

Mão cheia de promessas para a saúde

Melhorar o acesso à saúde,  reforçar os cuidados primários com consultas de Pediatria e Ginecologia, mais investimento em prevenção e alargamento dos cuidados continuados. Se há preocupações unânimes, os programas já conhecidos dos partidos para as Legislativas apontam, mais uma vez, caminhos diferentes. E há temas que prometem continuar a dar discussão. 

A regulamentação das circunstâncias em que o Estado poderá recorrer ao setor privado e social, depois da revisão da Lei de Bases  da Saúde, é uma delas. CDS e PSD insistem num modelo de complementaridade e o PCP mantém-se contra qualquer PPP (defende o fim programado do modelo e quer reverter o modelo de empresarialização dos hospitais). Já Catarina Martins admitiu esta semana que o BE aceita a contratualização com privados «só quando for preciso para o acesso à saúde da população e não porque o hospital privado quer uma renda à conta do SNS como tem acontecido até agora». 

BE e PCP insistem também no fim das taxas moderadoras, princípio assegurado numa alteração à lei aprovada no último plenário da legislatura, que dispensa o pagamento de taxas nos centros de saúde e prestações de saúde pedidas no SNS (mantendo apenas as taxas nas urgências). Mas a proposta inicial do BE não teve luz verde e o texto final determina que a concretização acontecerá «nos termos que vierem a ser definidos nos diplomas de execução orçamental». Para o PS, a medida tem de ser faseada, o que inscreveu no programa e tem vindo a ser defendido pelo Governo, com a ideia de que as taxas representam apenas 1,6% do orçamento do SNS, mas são 170 milhões de euros que não se podem ‘deitar fora’ de uma  vez. «Se de repente desaparecerem 170 milhões, estamos a falar de desaparecer um quarto do aumento da dotação financeira do SNS este ano (600 ME). Isso é bom para o desenvolvimento do SNS? Tenho as maiores dúvidas», disse, no Parlamento, o secretário de Estado da Saúde Francisco Ramos.

Consultas ao sábado vs. vouchers para ir ao privado?

Os tempos de espera são um calcanhares de Aquiles assumido. Em junho, o ponto de situação era este: mesmo com o SNS a fazer mais cirurgias e consultas, dos 238 984 utentes inscritos para cirurgia, 46 074 aguardavam para lá dos tempos máximos de resposta – um universo que tem estado sempre a aumentar. No caso das consultas hospitalares, em 2018 30% das primeiras consultas não foram realizadas em tempo adequado. Este ano não se sabe: o indicador deixou de estar disponível na monitorização da ACSS.  

O programa eleitoral do PS  considera que o desrespeito pelos tempos de resposta «mina a confiança nos serviços». Entre as propostas socialistas está o reforço das consultas nos hospitais, por exemplo ao sábado, mas também diminuir as consultas que não se realizam por falta do doente (14%) com marcações e reagendamentos mais simples.

 PSD e CDS apontam outro caminho: recorrer ao privado, o que, de resto, já acontece nas cirurgias – quando o SNS não dá resposta dentro dos prazos definidos na lei, os utentes recebem um vale e podem optar por ser operados em hospitais particulares ou do setor social. As propostas à direita não são iguais. O PSD propõe o alargamento do mecanismo das cirurgias (SIGIC) às consultas e exames, o que pressupõe a emissão de vouchers quando é excedido 75% do tempo de espera. Já o CDS defende uma alteração na marcação de consultas: o médico de família passaria a ver os tempos de espera nos hospitais públicos mas também em hospitais privados e do setor social e enviaria o doente para a resposta mais imediata. Isto só no caso de se tratar de uma primeira consulta.  

Em declarações ao jornal i, o bastonário dos Médicos estranhou a proposta de generalização de consultas ao sábado, lembrando que atualmente as escalas dependem de 6 milhões de horas extra médicas e 100 milhões de euros de despesa anual com tarefeiros. «Se não temos profissionais para assegurar as escalas normais, como é possível pensar-se em consultas ao sábado? Os médicos não podem ser os escravos do país», criticou. Há outro tema em que médicos e Governo estão em rota de colisão. António Costa acusou esta semana a Ordem de limitar o acesso à formação, o que Miguel Guimarães refutou. O programa do PS defende a maximização do aproveitamento das capacidades formativas, sobretudo nas especialidades em que o SNS é mais carenciado, reforçando o acesso à formação especializada. Para a Ordem, o facto de as vagas para internato não terem limitações para médicos que se formam no estrangeiro e querem vir fazer a especialidade em Portugal é uma das limitações.

Dedicação plena e pactos de permanência

O regresso da hipótese de contratados em exclusividade para os profissionais do SNS é outro tema que segue para a próxima legislatura e é defendido pelos partidos à Esquerda. O programa do PS aponta medidas mais amplas, que passam pela dedicação plena mas também pelo pagamento de incentivos por resultados. O partido inclui pela primeira vez no programa a ideia de ser criado um pacto de permanência para os médicos que terminam a especialidade no SNS. A proposta chegou a ser lançada pelo então ministro Adalberto Campos Fernandes em 2017, numa entrevista ao SOL, mas ainda não foi concretizada.  O Governo  anunciou entretanto a constituição de um grupo de estudo sobre estas matérias, mas não há desenvolvimentos. Esta sexta-feira a ministra da Saúde recusou um cenário de imposições: «Prender médicos só se for com laços de amor», disse.

Menos gastos para as famílias 

Atualmente, um terço das despesas com Saúde em Portugal são suportadas pelas famílias e os partidos propõem apoios suplementares. O PCP defende medicamentos gratuitos para doentes crónicos, famílias com carência económica e doentes com mais de 65 anos. O PS avança, por exemplo, com a criação de uma vale de pagamento de óculos a todas as crianças até aos 18 anos e idosos com mais de 65 anos beneficiários do RSI. Hoje existem Benefícios Adicionais de Saúde para os idosos que recebem o complemento solidário da Segurança Social, mas só uma minoria os utiliza – e a divulgação é escassa. Em 2017 estes apoios previstos para a compra de medicamentos, óculos e próteses dentárias foram atribuídos a 23 663 beneficiários, quando havia 122 257 idosos a receber o complemento solidário. 

Em cima da mesa, ou pelo menos lançada, está ainda a discussão sobre o alargamento da ADSE a todos os portugueses, uma proposta do CDS.  Em entrevista ao SOL, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde defendeu outra ideia: a criação de um seguro público complementar, que poderia mitigar a despesa das famílias em áreas como medicamentos. O ex-ministro Adalberto Campos Fernandes veio a público criticar a proposta, considerando que o modelo introduziria um copagamento adicional, sendo um aumento de impostos, mesmo que «encapotado».

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