Centeno mais longe do FMI?

O nome do ministro das Finanças está entre os mais prováveis para suceder a Christine Lagarde, mas existem outros candidatos fortes.

Dia 12 de setembro será o último de Christine Lagarde enquanto diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) e as apostas nos nomes do seu sucessor já começaram. O nome de Mário Centeno foi um dos primeiros a surgir, mas nem todos acreditam que seja o mais consensual ou provável.

Existe um acordo de cavalheiros entre a Europa e os EUA que pressupõe que o Banco Mundial fica a cargo de um americano e o FMI de um europeu. Enquanto presidente do Eurogrupo, Centeno seria um dos nomes mais óbvios para incluir na lista de potenciais líderes do FMI. Além disso, o seu trabalho enquanto ministro das Finanças de Portugal não passou despercebido, principalmente na Europa do Sul, onde poderia recolher mais apoios. Mas existem outros nomes em cima da mesa. 

O holandês Jeroen Dijsselbloem é um dos nomes mais falados, mas a sua relação com os países do Sul da Europa pode ditar a saída da corrida: em março de 2017, o ex-presidente do Eurogrupo disse que os europeus do Sul  gastam «todo o dinheiro em copos e mulheres» e depois pedem ajuda, uma frase que foi muito criticada na altura e que criou vários anticorpos. «No entanto, é o preferido da Alemanha e da França», explicou ao SOL Mário Martins, analista da ActivTrades, uma das mais antigas corretoras online da Europa.

Outro nome consensual, explica, é o de Olli Rehn. O governador do Banco da Finlândia é o mais apoiado pelos países do Norte da Europa. 

Mas a ministra da Economia de Espanha, Nadia Calviño, também é considerada uma forte candidata ao posto de diretora-geral do FMI. «É aceite na Europa e tem a vantagem de ser mulher. Ou seja, existe a possibilidade de ser nomeada não só pelo seu trabalho, mas também para continuarmos a ter uma mulher à frente do Fundo», explicou o analista.

Para Mário Martins, estes são os quatro nomes mais fortes na corrida à liderança do FMI. Outros nomes que têm sido avançados nos últimos tempos acabam por cair por terra devido ao acordo tácito transatlântico. «Mark Carney [governador do Banco de Inglaterra] tem nacionalidade inglesa e irlandesa, mas é canadiano. [O economista e académico] Raghuram Rajan também tem nacionalidade inglesa, mas nasceu na Índia. Se os EUA optarem por não manter o acordo de cavalheiros, têm ambos poucas hipóteses de serem escolhidos», explicou. Outro britânico, o ex-ministro da Economia George Osborne, fica de fora da corrida não por causa da nacionalidade, mas sim porque «o Brexit está à porta e a maior parte dos países querem alguém da União Europeia» à frente do Fundo, diz o analista.

A idade é outro fator que é preciso ter em conta nesta análise: «A escolha mais natural seria a Kristalina Georgieva, a número dois do Banco Mundial, mas o FMI tem a regra de não aceitar um presidente a partir dos 65 anos. Esta é a única razão para Georgieva estar de fora, caso contrário acredito que seria ela a escolhida», disse Mário Martins. 

Olli Rehn, o mais consensual

Dos principais nomes avançados nos últimos dias, qual o que tem mais hipótese? Na opinião do analista da ActivTrades, Mário Centeno não é o preferido. «Acho que a pessoa que tem mais hipóteses é Olli Rehn. É o mais aceite nos países mais conservadores do Norte da Europa. Centeno é capaz de ter algumas dificuldades em convencer a Alemanha e a França. Além disso, Olli Rehn não tem grandes problemas com o Sul da Europa – será mais fácil convencê-los a aceitar Olli Rehn do que os países conservadores do Norte a aceitarem Centeno», defendeu.

A melhor escolha?

Ainda é cedo para falar com certezas, mas caso avance, Centeno tem o apoio de algumas figuras portuguesas. Rui Rio foi o primeiro a reagir: «Se um português, neste caso o professor Mário Centeno, tiver reais possibilidades de substituir Christine Lagarde no FMI, com certeza que tem o meu apoio», disse o presidente do PSD em entrevista ao Observador. Paulo Portas também falou sobre o assunto no seu programa na TVI: «Centeno tem a favor dele ser o garante de finanças públicas saudáveis, independentemente de nós concordarmos com esta ou aquela medida e ser presidente do Eurogrupo. Tem contra ele a ideia de que há já demasiados portugueses nos cargos internacionais e, nos Estados Unidos, pode criar algum ruído esta última emissão de dívida que Portugal fez em moeda chinesa».

Para Eugénio Rosa, a escolha do diretor do FMI não tem nada a ver com competências pessoais, mas sim com o jogo político. Por isso, o economista considera que  Ollin Rehn ou Jeroen Dijsselbloem são as duas figuras que têm mais hipóteses de chegar ao cargo. «É mais previsível que seja um dos indicados dos países do norte da Europa pois a quota de Portugal no FMI é residual (0,43%)», disse ao SOL. Além disso, são duas pessoas que estão alinhadas com a Alemanha.

O economista João Duque também considera que esta é, acima de tudo, uma decisão política: «As pessoas selecionadas não estão sujeitas a um exame, não têm de fazer uma campanha ou um pitch para conquistarem votos. Por vezes, estamos perante compensações ou de escolhas de representantes daqueles que não fazem mal a ninguém. Porque é que o Durão Barroso aparece como presidente da Comissão Europeia? Porque na altura não era ninguém. Para não ser alemão, francês, italiano, espanhol, britânico, dos pequenos quem é que pode ser? Perguntaram ao português. Neste caso também pode acontecer uma coisa destas. Acontece muitas vezes. Claro que as pessoas têm de ter capacidade para o lugar – Centeno é uma pessoa muito inteligente», disse ao SOL.

Bagão Félix tem uma perspetiva mais positiva e defende que existem uma série de fatores que são favoráveis à nomeação de Centeno, como aspetos geopolíticos e o facto de «alguns dos outros candidatos terem antecedentes que podem dificultar a sua situação» . «É presidente do Eurogrupo, tem a vantagem de ter apresentado um bom serviço em termos de controlo do défice e é uma pessoa pessoa competente», explicou ao SOL o economista e antigo ministro das Finanças.

O professor de economia da Universidade de Coimbra João Rodrigues acredita que pode ser aplicada na nomeação do diretor do FMI o mesmo princípio aplicado no Eurogrupo. «Se for escolhido alguém do sul da Europa, estaríamos perante a reciclagem da mesma narrativa que levou Centeno ao Eurogrupo. Seria uma repetição no plano internacional do que aconteceu no plano europeu», disse ao SOL. «É como o Cristiano Ronaldo, que é um jogador internacional. Se Centeno é o Ronaldo das Finanças, também pode jogar fora da Europa», acrescentou, em tom de brincadeira.

Benefícios para Portugal

A ausência do atual ministro das Finanças de um possível novo governo socialista é outro dos temas mais debatidos. À Visão, o eurodeputado e antigo ministro das Infraestruturas disse que não existem pessoas insubstituíveis: «O PS sempre teve e vai ter gente de qualidade para assumir também essa pasta das Finanças se o Mário não continuar». 

Esta ideia é partilhada por Bagão Félix, que acredita que, no caso de o próximo Governo ser socialista, «certamente que se encontrarão outras pessoas que sigam o caminho» trilhado por Centeno. Acima de tudo, a escolha do ministro das Finanças para o cargo traria «prestígio» para Portugal: «Independentemente de concordar com a pessoa, gosto de ver portugueses em lugares importantes num cenário global, seja em que área for. É bom para o nosso ego», disse Bagão Félix.

Focado nas questões políticas, Eugénio Rosa defende que a saída de Mário Centeno para o FMI seria boa para os portugueses: «Libertaria o país de um ministro obcecado em  impor o défice orçamental zero e muito pouco interessado no desenvolvimento e no bem estar dos portugueses. O ministro milagreiro é um mito construído pelos media. Antes de ir para o FMI, Mário Centeno já se comportava como um homem do FMI».