O Campo Pequeno e a higienização cultural

Lisboa tem a sua identidade sustentada na cultura portuguesa e, sendo a capital do país, tem a particular obrigação de ser também o espelho da diversidade do país. As corridas de touros são parte da cultura portuguesa na sua diversidade regional. Renegar a cultura e a tradição é o caminho para a perda da identidade.

A censura à imagem de um touro e de um toureiro na indicação do Campo Pequeno é um episódio ridículo, mas preocupante. Trata-se da institucionalização de uma ditadura de gostos ignorando o direito à diversidade renegando a tradição e censurando a cultura. Apagar o símbolo do Campo Pequeno é desrespeitar a identidade do espaço, da cidade e da cultura portuguesa. A concretização desta iniciativa diz muito sobre os objetivos de uns e a fragilidade de outros.

Desta vez, o que está em causa é ‘só’ a retirada da imagem do touro e do toureiro das placas indicativas do Campo Pequeno. Mas, na verdade, o modo como foi feito e a justificação têm subjacentes um propósito e uma atitude indiciadores de uma visão totalitária que se pretende impor à sociedade.

À socapa e precipitadamente, em reação a uma reivindicação do PAN (sabe-se lá com que argumentos e com que condições), a imagem alusiva ao Campo Pequeno foi tapada como se se tratasse de uma medida de emergência. Tanto foi precipitada que foi assumido tratar-se de uma medida transitória até que se ‘estude’ qual a sinalética definitiva.

Parece que a justificação para tal é o facto de na Praça de Touros do Campo Pequeno não se realizarem apenas touradas. O argumento é, não só ridículo, como incoerente perante outros locais que mantêm outras atividades mas que são reconhecidos com uma determinada identidade (Sete-rios não tem apenas o Jardim Zoológico, Alcântara não tem só barcos, a Estrela não tem só a Basílica, etc., etc.). O Campo Pequeno é identificado com a Praça de Touros e, mesmo que o edifício tenha cinemas, um centro comercial, restaurantes e se realizem espetáculos musicais, a identidade do edifício é também o seu uso original – a realização de touradas. Alguém se incomoda com um pequeno ‘boneco’ com um touro e um toureiro? Agride alguém?

Lisboa tem a sua identidade sustentada na cultura portuguesa e, sendo a capital do país, tem a particular obrigação de ser também o espelho da diversidade do país. As corridas de touros são parte da cultura portuguesa na sua diversidade regional. Renegar a cultura e a tradição é o caminho para a perda da identidade.

A identidade, a cultura e a tradição dos portugueses e, em particular, da cidade de Lisboa são também a tolerância e o respeito pela diversidade. O que está em causa com este episódio de censura à imagem do Campo Pequeno é precisamente o contrário da identidade e da história da cidade e do país. Trata-se da imposição do fundamentalismo de uma minoria através da institucionalização de uma espécie de fascismo cultural que, surpreendentemente, parece contagiar quem tem uma maioria democraticamente legitimada na Câmara de Lisboa.

O que surpreende e suscita preocupação é assistir à aparente captura de uma maioria política em Lisboa com um percurso histórico alicerçado no respeito pela diferença e até pela defesa da cultura (e da liberdade cultural) por um grupo minoritário que pretende impor uma higienização cultural na nossa sociedade.

Desta vez, a propósito da eliminação do símbolo do Campo Pequeno, trata-se apenas um ‘detalhe’. Mas, por trás, o que está em causa é um processo que pretende impor uma determinada visão (minoritária) impondo uma ‘nova sociedade’ através da eliminação da identidade, do respeito pela tradição, da cultura, da diversidade e, sobretudo, da liberdade de escolha. É por isso que ceder agora parece não ter importância, mas é muito significativo sobre a sociedade que queremos.