Ainda haverá quem confie no Banco de Portugal?

Como confiar na seriedade de processos instruídos à medida das conclusões previamente anunciadas pelo governador?

Já aconteceu ao leitor contrariar uma autoridade, por exemplo, o agente da GNR que, a duzentos metros de distância, não teve dúvidas de que o seu carro pisou o traço contínuo? Se foi o caso, qual foi ‘a verdade’ que prevaleceu?

Sendo consensual que o livre arbítrio é incompatível com a dignidade da autoridade, o Banco de Portugal tornou-se um lamentável exemplo de perda da auctoritas, em resultado do mau uso dos seus poderes. E isso a três níveis: no ‘antes’, no ‘durante’ e no ‘depois’. 

No ‘antes’, por se ter revelado um ‘polícia’ descuidado; no ‘durante’, pela incompetência com que abordou os problemas que eclodiram a partir de 2007; no ‘depois’, por ter recorrido à mentira para justificar as omissões e os abusos. 

As conclusões do relatório da CPI à CGD comprovam que o Banco de Portugal não foi isento, nem imparcial, na sua missão de regulador. Tudo o mais é retórica de dirigentes com má consciência e do esforço das ‘boas almas’ para justificar o injustificável. 

Já aqui se escreveu que nem sempre foi assim. Em tempos anteriores à supervisão formal, com suporte na enxurrada de normas e regulamentos para reforçar os poderes dos supervisores, a auctoritas do governador era o bastante para garantir a ordem na caserna. A palavra do governador não se discutia porque ninguém concebia que fosse capaz de trair a carta de funções de banco central, colocando-a ao serviço de objetivos contrários à sua missão. 

Quando se faz o balanço da tragédia que foi a implosão da banca nacional, há tendência para invocar a crise financeira, exponenciada pela falência do Lehman Brothers. 

A esta ‘caridade’, responderei: foram, na verdade, tempos terríveis, mas justamente por isso mais se exigiam as cautelas de um bonus pater famíliae. Infelizmente, o que tivemos foi a reedição da fábula do feitor desleixado, que deita fogo à seara para ocultar a incúria que facilitou o crescimento da erva daninha. 

Depois de o país inteiro ter assistido ao inimaginável – a recusa de prestação de informação aos deputados ou o ridículo das falhas de memória para encobrir a realidade – qual é o crédito que pode ainda merecer o Banco de Portugal? Quem acredita que foram isentas as decisões tomadas entre 2007 e 2010, quando o governador veio a público contar uma história falsa para disfarçar culpas próprias? Como confiar na seriedade de processos de contraordenação instruídos à medida das conclusões previamente anunciadas pelo governador? Quem poderá jurar pela justeza de condenações decididas em processos instaurados com o único propósito de… condenar, quaisquer que fossem as conclusões apuradas? Como acreditar no direito ao recurso das decisões, se é o próprio Banco de Portugal que julga o mérito do contraditório? 

Basta imaginar o que teria acontecido se fosse o Banco de Portugal a decidir sobre se era, ou não, obrigatória a prestação de informação à Assembleia da República…