Georgieva pouco cristalina

Kristalina Georgieva venceu a terceira ronda de votações, mas não obteve maioria qualificada. Acabou por tornar-se a candidata da Europa ao FMI depois da desistência de todos os outros.

Depois de dias de negociações, três rondas de votações e a desistência de quatro candidatos, os líderes europeus conseguiram escolher quem irá apresentar-se como candidato a diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apesar de não ter alcançado a maioria qualificada, conseguindo o apoio dos países que representam apenas 57% da população da União Europeia, e de ter arrecadado poucos mais votos que Jeroen Dijsselbloem, a búlgara Kristalina Georgieva foi a escolhida para avançar no processo de sucessão da francesa Christine Lagarde.

O processo de escolha da candidata europeia foi tudo menos simples e acabou por ser mediado pelo ministro das Finanças francês, Bruno le Maire. Perante o impasse que se manteve durante dias no colégio de ministros europeu, le Maire acabou por marcar uma maratona de votações para o final desta semana. Que só terminaria com uma maioria qualificada – 16 Estados-membros que representem pelo menos 65% da população da União Europeia. Perante o resultado da terceira ronda, Le Maire telefonou aos restantes ministros das Finanças europeus para tentar garantir que Georgieva era a vencedora, explicando que a maioria qualificada era apenas uma orientação. A Holanda, país de Dijsselbloem, começou por se opôr a esta posição, mas o antigo presidente do Eurogrupo acabou mesmo por desistir da corrida após 13 horas de conversações e abrir caminho a Georgieva para ser a candidata europeia à liderança do FMI.

«Dou os parabéns a Kristalina Georgieva pelos resultados das votações europeias de hoje. Desejo-lhe o maior sucesso», escreveu no seu Twitter o holandês Jeroen Dijsselbloem, confirmando a saída de cena.

As outras desistências…

No dia antes desta votação, na quinta-feira, Mário Centeno, um dos nomes na short list de possíveis candidatos, anunciou através do Twitter que sairia da corrida… nesta fase. «Para escolher um candidato europeu para dirigir o FMI, como noutras decisões na UE, devemos procurar consensos. Quero contribuir para isso, pelo que decidi não participar nesta fase do processo – a votação de amanhã. Continuo disponível para trabalhar numa solução aceitável para todos», escreveu o ministro das Finanças português, deixando margem para uma possível recandidatura num cenário de impasse.

Depois de Centeno, foi a vez de Nadia Calviño anunciar a saída do processo. «Não irei participar nas próximas fases do processo de seleção do diretor-geral do FMI, de forma a facilitar o consenso. Foi uma honra estar na short list de candidatos para uma posição tão relevante. A Espanha continuará a desempenhar um papel construtivo no reforço das instituições da União Europei», escreveu na sua conta oficial no Twitter.

Na segunda ronda da votação, foi a vez de Olli Rehn desistir. O antigo comissário europeu e atual governador do Banco da Finlândia era, como o SOL explicou na edição anterior, o nome mais consensual. 

No entanto, o economista finlandês também achou que deveria sair da corrida por forma a facilitar a escolha de um candidato europeu.

«A União Europeia está prestes a escolher o candidato europeu ao cargo de diretor-geral do FMI. É um posto muito importante e cheio de significado. No entanto, nesta fase, decidi retirar-me da votação, por forma a ser possível chegar a um consenso», escreveu Olli Rehn no Twitter.

A última fase da votação foi disputada entre Kristalina Georgieva e Jeroen Dijsselbloem. 

Tudo indicava que a número dois do Banco Mundial e ex-vice-presidente da Comissão Europeia teria vantagem em relação ao antigo presidente do Eurogrupo: além da vasta experiência e de já estar familiarizada com o funcionamento de cargos de relevo internacional, Georgieva é mulher – a vontade de continuar a ter uma instituição com a importância do FMI sob a alçada de alguém do sexo feminino acabou por prevalecer. 

Georgieva começou a sua carreira no Banco Mundial em 1993, onde chegou a ser vice-presidente. Deixou o grupo em 2010, para se tornar comissária na segunda Comissão liderada por Durão Barroso. Chegou mesmo a ser vice-presidente do Executivo comunitário. É atualmente diretora-executiva do Banco Mundial e a número dois do norte-americano David Malpass.

… e o handicap de Dijsselbloem

O único entrave era a idade: a economista búlgara tem 66 anos e o FMI tem a regra de não aceitar um presidente a partir desta idade. No entanto, esta questão pode ser facilmente contornada com uma alteração dos estatutos do FMI.

 Kristalina Georgieva não agradava tanto a certos países como Jeroen Dijsselbloem. 

O antigo ministro holandês era o nome apoiado por países como a Alemanha e a França, que têm um grande peso na União Europeia. O seu calcanhar de Aquiles eram os países da Europa do Sul:  em março de 2017, o então presidente do Eurogrupo disse que os habitantes destes países gastavam todo o dinheiro que tinham «em copos e mulheres». «Durante a crise do euro, os países do Norte mostraram-se solidários com os países afetados pela crise. Como social-democrata, atribuo à solidariedade uma importância excecional. Contudo, quem pede [ajuda] também tem obrigações. Não posso gastar todo o dinheiro em copos e mulheres e pedir-te que me ajudes», disse ao jornal Frankfurter Allgemeine. 

Dijsselbloem  foi muito criticado, mas recusou sempre pedir desculpa: «A minha frase queria deixar absolutamente claro o que a solidariedade significa para mim. ou um social-democrata e valorizo muito o princípio da solidariedade na Europa, mas deve sempre vir com compromissos e esforços para fazer o máximo que um país pode fazer para reforçar a sua posição. Deve haver responsabilidade. Essa foi a minha opinião na entrevista».