Detido no Brasil adversário de Sousa Cintra

Ex-presidente do Sporting foi condenado a pagar 25 milhões de dólares há mais de uma década por alegadamente ter desistido de vender duas fábricas de cerveja a Walter Faria.    

Sousa Cintra está numa luta na Justiça portuguesa para tentar travar uma decisão de um tribunal arbitral do Brasil que o condenou ao pagamento de 25 milhões de dólares por ter desistido de vender duas fábricas da Cerveja Cintra naquele país a Walter Faria, dono empresa de cervejas Petropolis, que foi detido esta semana no âmbito da Lava Jato.

O caso já passou por várias instâncias e todas entenderam reconhecer a condenação exorbitante da justiça arbitral brasileira, ignorando os argumentos de Sousa Cintra, nomeadamente o de que o montante não corresponde aos danos causados à outra parte, neste caso à Petropolis. O caso está agora no Supremo Tribunal de Justiça, que vai avaliar se o empresário português tem ou não razão em não se conformar com as decisões da primeira e segunda instâncias.

A compra falhada e a decisão contestada por Sousa Cintra

Quando em 2006 Sousa Cintra celebrou um contrato de promessa de compra e venda de duas fábricas de cerveja no Brasil com o empresário brasileiro Walter Faria, estava longe de imaginar que 13 anos depois estaria na justiça portuguesa a dirimir argumentos e a tentar evitar o pagamento de milhões. Nesse contrato ficou estabelecida uma cláusula penal de 25 milhões de dólares como sendo o pagamento devido por danos caso houvesse um incumprimento injustificado de qualquer uma das partes. 

Sousa Cintra foi quem decidiu não avançar com o negócio na hora da compra, mas segundo o empresário português tem defendido na Justiça, tal só aconteceu uma vez que Walter Faria não pretendia comprar as fábricas através de um pagamento normal, mas sim através da apresentação de garantias que o banco credor de Sousa Cintra não aceitava. Ou seja, caso Sousa Cintra aceitasse a venda, mantinha as dívidas uma vez que as garantias que lhe eram dadas por Walter Faria de nada lhe serviriam.

 As fábricas acabariam por ser vendidas à AmBev, uma gigante do ramos das bebidas, por 150 milhões de dólares, em 2007. 

Não conformado com a atitude do brasileiro, Sousa Cintra avançou para um tribunal arbitral, onde perdeu – não só foi obrigado ao pagamento dos 25 milhões de dólares (15% do valor da compra), como ainda ao pagamento de juros de mora de 1% ao mês. O empresário brasileiro, suspeito de diversos subornos no âmbito da Lava Jato, acabou mais tarde por pedir à justiça nacional o reconhecimento daquela decisão para que pudesse ser feita uma execução em Portugal.

Ao que o SOL apurou, Sousa Cintra considera que a decisão do tribunal brasileiro não foi imparcial, até porque não teve em conta a alteração da forma de pagamento, nem a proporção da clausula face aos danos criados.

O SOL entrou em contacto com Sousa Cintra, mas o antigo presidente do Sporting não quis prestar qualquer esclarecimento sobre esta matéria. 

Empresário Walter Faria foi preso no Brasil

Os investigadores do Ministério Público brasileiro surpreenderam na última quarta-feira Walter Faria – a fase da Lava Jato que visa este empresário investiga «o envolvimento de executivos do grupo Petrópolis na lavagem de dinheiro desviado de contratos públicos, especialmente da Petrobras, pela Odebrecht».

Segundo uma nota enviada ao SOL pelo MP brasileiro, «foram expedidos pela Justiça Federal de Curitiba um mandado de prisão preventiva contra Walter Faria, controlador do grupo Petrópolis, e cinco mandados de prisão temporária contra executivos envolvidos na operacionalização ilícita de valores».

Dada a dispersão do esquema por diversas cidades, os investigadores explicaram ainda que foram emitidos «33 mandados de busca e apreensão», que foram «cumpridos em empresas do grupo e residências, localizadas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul».

 Segundo a investigação, Walter Faria teve um papel relevante no branqueamento de capitais de centenas de milhões de reais: «As investigações revelaram que Faria, em conjunto com outros cinco executivos do grupo Petrópolis, atuou em larga escala na lavagem de centenas de milhões de reais em contas fora do Brasil e desempenhou substancial papel como grande operador de propina [luvas]».

Cabia ao empresário brasileiro um papel fundamental no esquema criminoso, o de receber dinheiro no estrangeiro e depois fazê-lo chegar ao destino, sem que pudesse ser feita uma ligação entre a sua origem e o destinatário final: «Conforme apontam as provas colhidas na investigação, Faria, em troca de dólares recebidos no exterior e de investimentos realizados em suas empresas, atuou para gerar recursos em espécie para a entrega a agentes corrompidos no Brasil e entregar propina travestida de doação eleitoral no interesse da Odebrecht; e transferir, no exterior, valores ilícitos recebidos em suas contas para agentes públicos beneficiados pelo esquema de corrupção na Petrobras».

Segundo documentos enviados pelas autoridades suíças para o Brasil, «foram identificadas 38 empresas offshore distintas com contas bancárias no EFG Bank de Lugano, controladas por Faria»: «Mais da metade dessas contas permaneciam ativas até setembro de 2018».

 E este caso que envolve a Petropolis e Walter Faria não é apenas mais um caso da Lava Jato, tem uma dimensão superior. O procurador brasileiro Alexandre Jabur, considera que «chama a atenção a expressiva quantidade de recursos lavados por Walter Faria e por executivos do grupo Petrópolis».  

«Além disso, o fato de ainda manter recursos no exterior sem origem lícita comprovada e realizar a regularização cambial de mais de R$ 1 bilhão [mil milhões de reais] denota a permanência na prática do crime de lavagem de dinheiro e autoriza, conforme reconhecido em decisão judicial, a decretação da prisão preventiva do investigado».

Na mesma nota enviada ao SOL, o o procurador Felipe D’Elia Camargo acrescenta que «as investigações apontam para um esquema milionário de lavagem de dinheiro em que o grupo Petrópolis atuou em favor da Odebrecht na gestão, disponibilização e destinação de valores ilícitos».

«Foram identificados bens milionários, adquiridos a partir das contas utilizadas para o pagamento de propina [luvas], que ainda são mantidos no exterior. Isso reforça a necessidade de a Lava Jato continuar as investigações para esclarecer os fatos e buscar a recuperação daquilo que foi desviado dos cofres públicos», conclui.