Nesta aldeia espanhola, os caixões transportam pessoas vivas

Já foi classificada como uma das cinco festas mais estranhas do mundo: em Santa Marta de Ribaterme, na Galiza, aqueles que escaparam por pouco à morte são levados em procissão dentro de caixões abertos. As origens desta tradição galega perdem-se na noite dos tempos.

Nesta aldeia espanhola, os caixões transportam pessoas vivas

Próximo da fronteira com Portugal, à beira do rio Minho e a 40 km de Vigo, os espanhóis celebram uma das festas mais originais do mundo. Uma vez por ano, a aldeia de Santa Marta de Ribarteme, perto de Las Nieves, Galiza, recebe milhares de pessoas que ali afluem para presenciar um ritual insólito.

Às dez da manhã de 29 de julho, depois da missa matinal, os sinos da igreja repicam para dar início ao cortejo que percorrerá o caminho até ao cemitério. Aos ombros, os fiéis carregam caixões abertos, em cujo interior jaz não um morto, mas um vivo:mais exatamente uma pessoa que escapou à morte por pouco. Chamam-lhes ‘os oferecidos’.

Ao seu lado, os familiares entoam preces para mostrar a sua gratidão: «Virgem deSanta Marta, rainha da glória/tudo o que se oferece, sai com vitória; / Virgem Santa Marta, estrela do norte,/ que deu a vida ao que esteve à morte».
Aqueles que não têm familiares que fintaram a morte também participam, mas transportando caixões vazios.

A ligação de Santa Marta a este estranho ritual não é fruto do acaso. Inspira-se no episódio da Bíblia (Evangelho segundo S. João), em que Cristo se dirige a Betânia, onde fica a casa de Marta e Maria Madalena, que choram a perda do seu irmão Lázaro, morto há quatro dias: «Disse, pois, Marta a Jesus: ‘Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido.

Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá’.
Disse-lhe Jesus: ‘Teu irmão há de ressuscitar’.
Disse-lhe Marta: ‘Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia’.
Disse-lhe Jesus: ‘Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;
E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?’».

Festa até ao dia seguinte

A primeira referência escrita à procissão dos mortos em Santa Marta de Ribarteme remonta ao ano de 1700 mas as origens da festividade perdem-se na noite dos tempos.

Chegado ao cemitério, o cortejo dá meia volta e regressa à igreja:os caixões são então colocados contra uma parede e, com a ajuda dos familiares, os ‘oferecidos’ saem pelo seu próprio pé, como Lázaros contemporâneos que regressam ao mundo dos vivos. Normalmente, a participação implica uma oferenda à igreja:a gratidão mede-se também em numerário.
Apesar do caráter algo macabro, a procissão de Santa Marta, também conhecida popularmente como Festival da Quase-Morte, tem uma ligação profunda à celebração da vida. A escassos metros dos fiéis que transportam os caixões ao ombro, há crianças que brincam em insufláveis. Depois da procissão, a festa faz-se com muito vinho, música popular e polvo à galega, e dura até às primeiras horas do dia seguinte.

Outrora, os portugueses do outro lado da fronteira eram os únicos estrangeiros presentes, mas nos dias que correm – sobretudo depois de o Guardian ter classificado a procissão dos mortos como um dos cinco festivais mais bizarros do mundo – os forasteiros afluem aos milhares. À saída da procissão, é vê-los a apontar os telemóveis de último modelo e objetivas aos ‘oferecidos’. 

Pode-se fotografar à vontade e ninguém leva a mal o atrevimento. Neste ritual de faz de conta, até os mortos são a fingir.