Na passada semana escrevi aqui que Salammbô, de Gustav Flaubert, foi um dos livros que levei para férias. Ooutro foi OImenso Adeus, de Raymond Chandler. Dificilmente poderíamos encontrar dois livros mais diferentes – um romance histórico de um autor francês do século XIX, passado há mais de dois mil anos na antiga Cartago;um policial americano do séculoXX. E, no entanto, têm algo em comum. Imaginem como fiquei surpreendido ao encontrar no livro de Chandler o seguinte diálogo entre duas das personagens principais, um escritor de sucesso e o detetive privado Philip Marlowe:
«- Quando [a escrita] é boa, vem com facilidade. Tudo que possas ter lido ou ouvido a dizer o contrário é um monte de balelas.
– Depende, talvez, de quem é o escritor, disse eu. Para Flaubert, as coisas não saíam facilmente, e no entanto é bom material».
Uma coincidência e tanto! Qual a probabilidade de escolher dois livros quase à sorte e revelarem este grau de ‘parentesco’?
Publicado em 1953, OImenso Adeus foi o primeiro romance de Chandler e ditou de imediato o seu sucesso como escritor. Conta a história de um homicídio violento na alta sociedade americana, os esforços de uns para abafarem a verdade e as tentativas de Marlowe, contra tudo e contra todos, para perceber o que se passou realmente.
A primeira cena do livro mostra-nos um Rolls Royce parado, com a porta aberta, em frente a uma discoteca chique. Dentro do carro está um homem podre de bêbedo. Após uma curta discussão, o homem é arrastado para fora do carro, a namorada arranca e ele fica literalmente a dormir na valeta. Por um misto de curiosidade e compaixão, odetetive acaba por recolhê-lo, leva-o para sua casa e iniciam uma espécie de amizade. Está dado mote para o que aí vem: por detrás do brilho do dinheiro, esconde-se um mundo sórdido, sem sentimentos e sem objetivo.
Para lá do brilhante enredo – e desta denúncia da hipocrisia em certos meios da sociedade americana –, OImenso Adeus está cheio de frases memoráveis ditas pelas suas personagens. Limitar-me-ei a transcrever outro diálogo, já perto do desfecho, que resume na perfeição a visão de Chandler sobre a América rica, bonita e elegante:
«– Adeus, Linda. Espero que encontres aquilo que queres.
– Adeus, disse ela com frieza. Eu encontro sempre o que quero. Mas, quando encontro, deixo de o querer».