Vamos salvar o interior!

Inverter o êxodo para as cidades, reocupar o território, reabilitar o imenso património, promover o ataque rápido aos fogos – aí está um programa em que o país se deve empenhar.

Uma leitora que vive no interior do país e me escreve regularmente queixa-se de que os jornalistas só dão atenção ao que se passa nas cidades e desprezam o resto do território.
Outro leitor pede-me para escrever sobre o abandono a que está votado o património histórico construído.
Outro ainda fala-me da desgraça dos fogos e do pouco que se tem investido na prevenção.
Estes três temas, aparentemente distantes, estão intimamente ligados.

Comecemos pela pouca atenção dada ao interior do país.   Este deveria ser um tema prioritário para qualquer Governo: pôr o interior na agenda e encontrar formas de inverter o êxodo constante do campo para a cidade, procurando fixar gente nas aldeias e vilas afastadas da faixa litoral. 
A extensão da rede viária, que conheceu um boom nas últimas décadas, até facilita esse objetivo.
Há que incentivar os industriais, os agricultores, os prestadores de serviços, as famílias a fixarem-se no interior,dando-lhes benefícios e facilitando-lhes a vida.
E este tema liga-se ao património construído.   A maior parte do património histórico e arquitetónico do país situa-se no interior, pelo que a reanimação da vida nas vilas e aldeias ajudaria à sua reabilitação. Que por sua vez geraria emprego. E fomentaria o turismo.
Portugal tem um património riquíssimo, precioso, que cobre todas as épocas desde as habitações e aglomerados primitivos – antas, dólmenes e castros – até às sofisticadas catedrais, passando por castelos, palácios e solares sumptuosos. Aproveitar bem este capital, investindo a sério na sua recuperação, tem de ser também um objetivo do Estado – em colaboração com associações culturais sem fins lucrativos que existem espalhadas por todo o país.
E os fogos ligam-se, evidentemente, com isto.     O abandono do território favorece os incêndios. Quanto menos gente viver no interior, mais ele estará entregue às chamas.
Os incêndios são um terrível flagelo, que urge travar. É certo que se tem investido muito nos bombeiros e nos meios aéreos, mas trata-se de um investimento em boa parte inglório – porque o grande investimento a fazer não é no combate mas na prevenção.
Tenho-o escrito abundantemente. É fácil apagar um incêndio na primeira meia hora – mas é quase impossível dominá-lo depois disso. 
Na primeira meia hora apaga-se um fogo com uma simples mangueira; quando ele ateia, nem com um batalhão de bombeiros.
Ora, na prevenção, há um elemento imprescindível: as torres de vigia. Se as áreas de floresta estiverem guarnecidas com torres de vigia, numa quadricula razoável, os fogos poderão ser todos detetados no início e combatidos. 
E combatidos na sua maior parte não por bombeiros ou aviões – mas por helicópteros equipados com canhões de água. Chegam a todo o lado, podem ser usados de noite, e têm um potencial de ataque ao fogo muito mais eficaz. Os aviões largam a água muito alto, pelo que ela chega ao solo já vaporizada, apenas servindo para baixar a temperatura.

Os helicópteros são caros, mas as torres de vigia nem por isso. António Costa inaugurou umas quantas há 15 dias, só que o ato não teve a repercussão que merecia. As pessoas – e os jornalistas – não estão sensibilizados para a questão, só vêem os bombeiros e o ataque ao fogo, não pensam fora disso.
Mas se os fogos forem apagados na fase inicial, veja-se o que se poupa: poupa-se enormemente em número de bombeiros e respetivo material (carros, equipamentos, etc.), poupa-se em aviões, poupa-se em floresta ardida e em bens destruídos.
Feitas as contas, investir fortemente em torres de vigia e em helis equipados com canhões de água será muito mais barato do que o que se gasta hoje em bombeiros, aviões e prejuízos materiais causados pelo fogo.

Inverter o êxodo para as cidades, reocupar o território com indústria, serviços e agricultura, reabilitar o imenso património, promover o ataque rápido aos fogos antes que alastrem – aí está um programa em que o país se deve empenhar. Não é muito difícil. Basta tomar as decisões certas.