Salvini quer eleições para aproveitar popularidade

Havendo eleições, não é improvável que Itália acabe com um Governo que tenha apenas a extrema-direita, juntando a Liga aos Irmãos de Itália e ao Força Itália de Silvio Berlusconi.

Depois de meses de impasse e confrontos pelos mais variados motivos, a coligação de Governo italiana quebrou. O ministro do Interior, Matteo Salvini, do partido nacionalista Liga, exigiu eleições antecipadas, rompendo com os seus parceiros do Movimento 5 Estrelas (M5S). O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte – escolhido para o posto como mediador entre as duas forças -, não teve reservas em contar: «Salvini disse-me que pretende interromper este Governo para capitalizar o apoio de que a Liga atualmente desfruta».

Se os nacionalistas entraram no Governo como parceiros minoritários, rapidamente eclipsaram os populistas do M5S, graças à sua política dura contra a imigração e a imagem de homem forte de Salvini, que se afirmou internacionalmente como ponto de encontro da extrema-direita europeia. A Liga conseguiu ficar em primeiro lugar nas eleições europeias deste ano, com 34,3% dos votos, contra os 17,1% do M5S. Agora, a Liga tem 38% das intenções de voto, segundo a última sondagem da Tecnè. 

Tendo em conta as sondagens, o resultado pode muito bem resultar num Governo exclusivamente da extrema-direita, juntando a Liga aos seus aliados naturais, o Força Itália, de Silvio Berlusconi, e os Irmãos de Itália – com 8% e 6% das intenções de voto, respetivamente. Até o Papa Francisco mostrou receio quanto a um Governo nacionalista liderado por Salvini, em entrevista a La Stampa, esta sexta-feira. «Ouvimos discursos que lembram os de Hitler em 1934», notou o Sumo Pontífice. «‘Nós primeiro, nós… nós…’, estes são pensamentos assustadores». 

O M5S respondeu à decisão de Salvini pela boca do seu líder, Luigi Di Maio, que considerou que «a Liga gozou com os italianos». A gota de água para a Liga – ou o seu pretexto, segundo os críticos – terá sido a tentativa do M5S de bloquear a construção de uma linha de comboio de alta velocidade entre França e Itália, esta quarta-feira. Os motivos da oposição do M5S foram ambientais e financeiros, num momento em que o país enfrenta a União Europeia pelo seu incumprimento das metas para a dívida pública. «A Itália precisa de certezas e de um Governo que faça coisas, não de um ‘sr. Não’», disse Salvini, acrescentando: «Não queremos ministros ou postos extra, não queremos remodelações do Executivo ou Governos técnicos. Sobram eleições».

Mas se Salvini não quer remodelar o Executivo ou um Governo de gestão, nenhuma das opções é impossível. Conte respondeu que o seu Governo não era de ‘nãos’, e que «sempre trabalhou muito e falou pouco». O primeiro-ministro garantiu que vai reunir os deputados – que de momento estão em pausa parlamentar – para «reconhecer que já não há uma maioria, como evidenciado pelo voto [de quarta-feira] e pelos repetidos insultos contra mim». O mais provável é a moção de censura apresentada por Salvini passar. Mas também poderão haver surpresas, como a oposição defender Conte, dado o receio que a agenda nacionalista da Liga levanta em boa parte do hemíciclo. O primeiro-ministro acrescentou: «Não nos preocupamos minimamente com ocupar postos governamentais, nem nunca nos preocupámos».

Quem também não ficou nada satisfeito com a situação foi o Presidente italiano, Sergio Mattarella que há muito tinha deixado claro não querer eleições antecipadas, para não adiar a aprovação do Orçamento de 2020, no outono. Teoricamente, Mattarella pode não dissolver o Parlamento e montar um Governo de gestão – uma opção impopular entre quase todas as forças políticas. 

‘Vamos a la playa’ A semana passada, enquanto a especulação sobre possíveis eleições antecipadas ecoava entre os media italianos, Salvini partiu para fazer campanha na praia. «Passeio de praia?», questionou o ministro do Interior, confrontado com as manchetes da imprensa italiana. «São encontros públicos que os cidadãos pediram», insistiu, em declarações à Radio 24, prometendo: «Não vou estar a jogar voleibol de praia».

Mas não faltaram sugestões de motivos menos inocentes para as visitas à praia de Salvini. Muitos não deixaram de notar que a imagem de político duro mas descontraído cai muito bem ao ministro do Interior – sobretudo se já planeasse provocar eleições antecipadas. Outros notam que os seus passeios o levaram ao sul do país, passando pela costa de Nápoles, Campania e Sicília, onde a Liga naturalmente tem mais dificuldade eleitorais – e onde o M5S tem os seus principais redutos. 

Os resultados mais fracos da Liga no sul não são de espantar, dado que antigamente o partido dava pelo nome Liga do Norte, defendendo uma agenda de supremacia do norte de Itália – mais rico e desenvolvido. Aliás, um dos muitos desentendimentos entre a Liga e o M5S foram as propostas dos primeiros de maior autonomia para o norte. Se anteriormente Salvini não conseguia entrar em Nápoles sem desencadear motins, esta semana passeou pelas praias da região completamente à vontade. As fotografias mostram o ministro do Interior a posar em tronco nu, a ser DJ, beber cocktails e olhar com interesse para o peito de uma dançarina. 

«Salvini sempre teve na cabeça novas eleições», afirmou ao The Guardian Mauro Calise, professor de Ciências Políticas na Universidade de Nápoles, que considerou: «Ele nunca faz nada sem pretexto, ele vai para sul porque sabe que o M5S está a ter problemas com o seu eleitorado. A ideia de praia é fantástica, cria um palco». Na altura, o académico mostrou dúvidas que Salvini fosse tentar forçar eleições. Mas o ministro do Interior gosta de surpreender.

Boa parte das dúvidas deviam-se às recentes acusações de corrupção envolvendo dirigentes da Liga e alegados representantes do Governo russo, de Vladimir Putin. Os dirigentes da Liga terão sido gravados a discutir uma oferta de milhões de euros em financiamentos ilegais para o seu partido, vindos da Rússia, através de negócios fraudulentos de petróleo. Mas nem isso parece abalar a popularidade de Salvini.