Vale tudo?

O que se exige dos políticos é que nos digam claramente como querem construir o bem comum

Vivemos em alargado período pré-eleitoral. E, parecendo não haver qualquer problema com isso, tal situação suspende no tempo a tomada de medidas imperativas para o desenvolvimento e bem estar dos cidadãos, emprestando agressividade inusitada às relações inter e intra partidárias.

Este tempo é invariavelmente aproveitado para se lançarem múltiplos desafios políticos, muitos deles aproveitados para comunicações cirurgicamente impactantes, ao mesmo tempo que diferentes grupos de pressão lançam e promovem iniciativas destinadas a fazerem vingar pretensões de diferente natureza. 

Quer de um lado, quer de outro, vamos assistindo à construção de muitos cenários inesperados, por vezes, preocupantemente reveladores de intoleráveis posturas de iniquidade, cujas justificações passam, amiúde, pela invocação de outras iniquidades apresentadas como fontes de benefícios alheios, legitimando assim o uso do nefasto princípio do ‘vale tudo’.

O perigo espreita insidiosamente, sendo inquietante que demasiados protagonistas do ‘vale tudo’, pareçam apostados em não perceber os sentidos nem da solidariedade nem da fraternidade, elementos essenciais da coesão e paz social, acreditando e tentando fazer acreditar que o uso da força, seja ele qual for, reequacionará um novo modelo de vida, apresentado invariavelmente compatível com as ambições de cada um, sem nunca se inventariar a dose de discriminação económica, social e cultural que tal postura encerra.

Não obstante as múltiplas e diversificadas narrativas que oferecem estádios de felicidade generalizado, o estádio de evolução do conhecimento, disponibilizado por diferentes vias, vai alimentando um crescente desconforto face a promessas de materialização não palpáveis. As velhas narrativas começam a revelar-se frágeis e inacomodáveis com os mais elementares princípios da dignidade universal dos seres humanos. A ideia de futuro parece baralhada, a sabedoria empregue para a sua configuração está cada vez mais parcelada. As promessas de progresso e bem estar soam a falso para a grande maioria dos cidadãos. 

Paradoxalmente, com a enorme quantidade de conhecimento e informação disponíveis, tornámo-nos cada vez mais ignorantes. Com efeito, o leque de domínios que influenciam diretamente as nossas vidas, torna-nos dependentes das competências de especialistas, isto é, de gente que sabe quase tudo sobre quase nada e não sabe nada sobre quase tudo. Tornamo-nos todos especialistas de maior ou menor amplitude de competências. Vagueamos todos em diferentes ignorâncias. Somos todos mais idênticos e nesta ignorância generalizada. Estamos todos sujeitos a que ela seja explorada, através de crescentemente sofisticadas codificações de novas sabedorias. 

Vivemos um período onde as referências a retidão e bondade das políticas, das escolhas, das decisões e dos atos praticados parecem ausentes do quotidiano. O elogio e o auto elogio são multiplicados sem que se tenham em conta as anteriores decisões, nem sequer sejam medidas ou explicitadas as suas reais consequências em termos do bem estar e da evolução social dos diferentes grupos e classes de cidadãos. 

Sob o senso comum, a retidão das atitudes está na base das boas consequências, as quais, por seu lado, são o modo mais fiável de aferir a oportunidade e a assertividade dos atos praticados. Para que esta fase de grande mudança faça sentido é fundamental estancar o ‘vale tudo’, especialmente para que o tudo e o nada não se confundam. E como me costuma dizer um especial amigo: «Quando vale tudo deixamos de saber o que somos, para onde vamos e nada mais fará sentido…».

O que se exige dos políticos é que nos digam claramente como querem construir o bem comum. Só por aqui é que a democracia se salva e se sobrepõe a todo e qualquer regime político alternativo. 

* Economista