Um maravilhoso elogio da simplicidade

A comida e a bebida, o sol e a chuva, a imponência das montanhas e a arquitetura de uma casa, as conversas e o silêncio, os passeios e o descanso, tudo podia ser uma fonte de prazer honesto para Walser – como é para o leitor. 

«Nunca se apegou a um sítio, nunca adquiriu nada para si. Nunca teve casa nem qualquer morada duradoura, nenhum móvel, e por único guarda-roupa um fato melhor e outro mais modesto», escreveu W. G. Sebald sobre o suíço Robert Walser num ensaio a que chamou ‘O Caminhante Solitário’. «Não possuía sequer o que um escritor necessita para exercer o seu ofício. De livros, ao que creio, não tinha sequer os que ele próprio escreveu. O_que lia era quase sempre emprestado. Até o papel lhe chegava em segunda mão».

Walser, a quem chamaram «a personificação da mais rara pureza» e também «o mais solitário entre os poetas solitários», não se distinguia muito de um vagabundo. O próprio o admitia: «Sim, é verdade, sempre tive a tendência para tornar-me um vagabundo e quase não lutei contra ela».

Essa tendência – que se caracteriza sobretudo pelo desprezo pelos bens materiais e pelo gosto de caminhar – ficou maravilhosamente fixada em Caminhadas com Robert Walser, de Carl Seelig, recentemente publicado em Portugal pela BCF Editores. Nestas páginas assistimos aos longos passeios que Walser deu com o seu amigo Seelig por bosques, campos, montanhas e pequenas cidades, e que os levavam por vezes até muito longe do sanatório onde Walser passou os últimos anos de vida. «Se Robert Walser não pertence hoje ao número dos escritores perdidos é acima de tudo graças ao interesse que Carl Seelig lhe votou», escreveu ainda Sebald.

Caminhadas com Robert Walser, além de um testemunho precioso sobre um homem muito peculiar, é um livro que se lê com enorme prazer – prazer esse que, a certo ponto, se transforma numa espécie de veneração e nos leva a segurar o livro como se fosse algo delicado e precioso.

Seelig registou para a posteridade muitos momentos memoráveis e algumas máximas lapidares do seu amigo. Vejamos um exemplo: «A abundância pode tornar-se um grande peso. É na pobreza e na simplicidade que a verdadeira beleza, a beleza de todos os dias, se revela de modo mais suave». A mesma ideia é expressa nesta outra frase: «As coisas de todos os dias são suficientemente belas e ricas para que delas se possa extrair faíscas poéticas».

A comida e a bebida, o sol e a chuva, a imponência das montanhas e a arquitetura de uma casa, as conversas e o silêncio, os passeios e o descanso, tudo podia ser uma fonte de prazer honesto para Walser – como é para o leitor. Por isso, se quiséssemos resumir o conteúdo do livro numa única expressão, chamar-lhe-íamos ‘o elogio da simplicidade’. E que falta nos faz essa simplicidade na vida rápida e complicada dos nossos dias!