Médicos utilizam o próprio esperma para engravidar pacientes

Dov Fox, especialista em bioética da Universidade de San Diego, aborda o assunto e diz que pelo número de casos conhecidos nos dias de hoje não é possível dizer ” que se tratavam de algumas maçãs podres”, mas sim de uma prática recorrente.

Ao longo dos anos, vários médicos especialistas foram acusados de utilizar o seu próprio esperma para engravidar centenas mulheres que recorriam à inseminação artificial nas clinícas onde estes trabalhavam. Estes casos ocorreram por vários países da União Europeia, vários estados norte-americanos e também na África do Sul, na sua grande maioria entre os anos 70 e 80, de acordo com a investigação do jornal New York Times. 

Eve Wiley é uma das jovens que, passados anos, descobriu que o seu pai não era um dador anónimo mas sim o médico que acompanhou a mãe durante o processo, o doutor Kim McMorries. Através do avanço da tecnologia e da realização dos testes de ADN realizados, que permitiram aos jovens compreender quem são os seus antepassados e também quem são os seus progenitores, estes casos começaram a tornar-se conhecidos e a justiça começou a perceber que não eram casos excecionais mas sim algo que os profissionais faziam com alguma frequência.

Dov Fox, especialista em bioética da Universidade de San Diego, aborda o assunto e diz que pelo número de casos conhecidos nos dias de hoje não é possível dizer " que se tratavam de algumas maçãs podres", mas sim de uma prática recorrente.

Jan Karbaat, que morreu em 2017 aos 89 anos, foi um dos médicos que utilizou o seu esperma para engravidar as suas pacientes. Conseguiu concluir-se, através dos testes de ADN, que o médico holandês é pai de pelo menos 56 crianças. O advogado J.P. Vandervoodt em defesa de Karbaat recorda ao NY Times que as coisas eram diferentes na altura e que não existem sequer registos de quem era dador anónimo na época, o que poderia ser o caso do doutor Karbaat. 

Também Donald Cline, médico no Estado norte-americano de Indianapolis, utilizou o seu próprio esperma para engravidar pacientes e 61 pessoas descobriraram que Cline tinha sido o "dador anónimo" da sua mãe. Em 2009, Cline foi suspenso da profissão durante um ano e teve de entregar a sua licença médica por ter mentido durante a investigação, no entanto, não foi possível condená-lo a mais tempo, pois na época em que a situação ocorreu, o ato não era condenado criminalmente no Estado do Indiana. 

Jody Madeira, professora universitária da Universidade do Indiana especializada em direito, está a acompanhar mais de 20 casos e declara que, na sua visão, a decisão dos médicos em utilizar o seu próprio esperma pode dever-se a estes acreditaram que seria "o melhor para o negócio" visto nem sempre existir esperma de outros dadores acessível. No entanto, Madeira confirma que outras razões podem ter motivado a decisão dos especialistas como "sensação de poder, narcisismo ou perturbações psicológicas ou simplesmente porque os médicos se sentiam atraídos pelas suas pacientes”.

Em vários Estados a lei foi alterada e este tipo de situações passaram a ser criminalizadas. A partir de maio, no Estado de Indianapolis, as vítimas podem acusar os médicos que utilizem o seu esperma sem o seu conhecimento e têm cinco anos para processar o médico, depois de o caso ser descoberto. No Texas, a prática passou a ser equiparada a um crime de abuso sexual.

“É uma história muito comovente e cada vez vemos mais e mais casos de reprodução assistida fraudulenta”, disse Stephanie Klick, representante republicana do Estado do Texas. “Precisamos ter certeza de que o que aconteceu não vai voltar a acontecer no futuro”, conclui.