Amazónia a arder

Bolsonaro entrou numa guerra de palavras com as organizações não governamentais. Mas admitiu que havia uma situação de emergência na Amazónia.

A Amazónia está a arder e com ela o Brasil inteiro. É a pior vaga de incêndios dos últimos cinco anos e, desta vez, o Presidente Jair Bolsonaro reconheceu o problema. Não descartando a hipótese de os fazendeiros terem provocado as queimadas, atirou a maior parte das culpas às organizações não-governamentais estrangeiras, sugerindo que foram estas que atearam fogo à maior floresta tropical do mundo.

Metade dos mais de 75 mil focos de incêndio ocorridos este ano estão a afetar o bioma – conjunto de ecossistemas – da Amazónia, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Refira-se que os dados são atualizados diariamente. Entre o início do ano e o dia 22 de agosto registaram-se 85% mais incêndios do que no mesmo período do ano passado. Os três estados mais afetados são Mato Grosso, Pará e Amazonas – todos eles integram a Amazónia legal, uma área que engloba nove estados pertencentes à bacia amazónica.

Confrontado com este cenário, Bolsonaro relacionou as ocorrências com o corte de financiamento que o seu Governo aplicou às ONGs.

«A questão da queimada da Amazónia, que no meu entender pode ter sido potencializada por ONGs, porque eles perderam a grana. Qual é a intenção? Trazer problemas para o Brasil», insinuou o Presidente, reconhecendo não ter provas. «Pode estar havendo, sim, pode, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’ para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o Governo do Brasil. Essa é a guerra que enfrentamos», completou.

As secas extremas têm-se tornado cada vez mais frequentes na Amazónia, desencadeando incêndios. Mas, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o bioma da floresta tropical viu menos dias consecutivos sem chuva do que a média entre 2016 e 2018. Ou seja, «o período seco, por si só, não explica este aumento», garante o IPAM em nota técnica publicada a 20 de agosto.

Bolsonaro quer legalizar o garimpo e apoiar o agronegócio para intensificar a exploração comercial da Amazónia. As suas políticas têm incentivado a invasão ilegal da floresta e a sua destruição, segundo vários analistas. «Os dez municípios amazônicos que mais registaram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento», explica o IPAM, adiantando que as proporções chegaram a tal ponto que as «pessoas nas cidades da Amazônia, e mesmo fora dela, passaram a respirar um ar mais poluído do que o encontrado em conglomerados urbanos como São Paulo».

Mato Grosso, o estado onde estão a ocorrer mais incêndios, vive do agronegócio e da exportação de soja, milho e algodão. Lá já ocorreram quase 14 mil incêndios desde o início do ano, um aumento de 87% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo os dados do INPE.

 

‘Autoritarismo e fanatismo ideológico’

Na opinião do Observatório do Clima, uma coligação de organizações da sociedade civil brasileira para discutir as mudanças climáticas, as queimadas refletem a «irresponsabilidade de Bolsonaro». «As queimadas são apenas o sintoma mais visível da antipolítica ambiental do governo de Jair Bolsonaro e de seu ministro do Meio Ambiente, o improbo Ricardo Salles, que turbinou o aumento da taxa de desmatamento no último ano», apontou o Observatório num comunicado.

Bolsonaro tem defendido que a Amazónia é um assunto estrito da soberania brasileira e não tem tido pudor em hostilizar quem apoia financeiramente a maior floresta do mundo.

O Fundo da Amazónia é um dos principais instrumentos à disposição do Estado brasileiro para financiar projetos de conservação, fiscalizar e combater a deflorestação da Amazónia. Já recebeu mais de 750 milhões de euros em doações desde que foi criado. Contudo, as suas verbas têm sido bloqueadas e os seus maiores doadores, a Alemanha e a Noruega, suspenderam a sua participação, alegando que o Governo brasileiro já não estaria interessado em prosseguir uma política que vise realmente conservar o pulmão do planeta e por temerem que os recursos sejam, na verdade, utilizados para proteger os fazendeiros e os garimpeiros.

«A combinação de autoritarismo e fanatismo ideológico do Presidente e do seu ministro transforam em fumaça não apenas as árvores da Amazônia e a reputação do Brasil, mas também o bem-estar de uma população que o governo federal devia proteger», acusou o Observatório do Clima.