Hospitais continuam com escalas incompletas

Alguns serviços de urgência continuam a funcionar sem o número mínimo de médicos especialistas e, todas as semanas, há internos que completam as escalas – às vezes internos de primeiro ano, ou internos que não pertencem à especialidade em causa.

Marta Temido, ministra da Saúde, reconheceu esta semana que existem problemas nos serviços de obstetrícia, sobretudo em Lisboa, Vale do Tejo e na zona Sul do país, especialmente durante os períodos de férias. «Nesta época, procurámos garantir que as faltas [de médicos] são supridas com recurso a prestação de serviços», disse a ministra responsável pela pasta da Saúde. Aliás, Marta Temido, apesar de reconhecer que os problemas existentes não podem ser resolvidos apenas através da contratação por prestação de serviços,  afirmou que foram autorizadas prestações de serviços médicos que vão além dos valores de referência estabelecidos. 

O caos nas escalas das urgências dos hospitais tem vindo a público devido às denúncias feitas pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM). Contactado pelo SOL, este sindicato explicou que, além das escalas incompletas, o facto de os internos integrarem as listas dos serviços de urgência de forma constante é também um problema. «Dada a escassez de recursos humanos, começou a ser prática que nas escalas passassem a constar internos. Inicialmente eram internos do último ano – e nós continuamos a achar que isso é errado -, mas o que tem acontecido na prática são internos de todos os anos», explicou Jorge Roque da Cunha, presidente do SIM. 

E, ao contrário das palavras da ministra da Saúde, Jorge Roque da Cunha garantiu que o problema não são as férias dos médicos e que o caos nas urgências é constante, já que a falta de médicos é uma realidade ao longo do ano.  

«Escalas ilegais» nos hospitais

O SOL teve acesso a alguns documentos relativos às escalas dos serviços de urgência e, em todas se verificou a falta de médicos especialistas. 

No início do mês de agosto, relativamente à especialidade de ginecologia e obstetrícia, estiveram em contingência três urgências da área de Lisboa: Hospital de São Francisco Xavier, Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), Maternidade Alfredo da Costa. No Hospital de São Francisco Xavier, por exemplo, foi referido que em 23 dias de agosto há pelo menos um turno – dia, noite ou 24 horas – em que existe contingência. 

No Hospital de São Francisco Xavier, também na especialidade de ginecologia e obstetrícia, onde deveriam estar escalados cinco médicos especialistas, na maioria das vezes estão apenas três e, em alguns casos, estão médicos sem especialidade. O cenário piora no próximo mês, já que estão escalados para o primeiro dia de setembro apenas dois médicos – que irão garantir as 24 horas. Já no dia 5 de setembro está apenas um médico a garantir o horário entre as 9 horas e as 21 horas. Os fins de semana são os períodos críticos, sendo que no dia 7 de setembro, sábado, também está garantido apenas um médico. 

Outra questão que é necessário ter em conta é o caso dos médicos contratados através de empresas de prestação de serviços. Ainda que a ministra da Saúde tenha referido que foi contratado um número de médicos muito acima do que aquilo que seria necessário, no Centro Hospitalar Universitário do Algarve, por exemplo, no mês de junho, um dos ortopedistas contratados fez, em 30 dias,  24 de urgência. 

Em resposta ao apelo do SIM – sobre as escalas incompletas validadas pelos diretores clínicos -, a Ordem dos Médicos já prometeu atuar caso se verifiquem escalas de urgências sem o número mínimo de profissionais exigido para manter a segurança dos doentes. Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, garantiu que, em virtude da denúncia do sindicato, que vai averiguar se há casos concretos em que as regras não estão a ser cumpridas, com a luz verde dos responsáveis médicos. À Lusa, o bastonário da Ordem dos Médicos disse, no início do mês, que «se existir matéria que ultrapasse as regras que devem ser cumpridas, a Ordem terá de atuar».

Internos garantem escalas 

Os internos, ou seja, médicos que estão em formação numa determinada especialidade, estão neste momento a garantir o equilíbrio das escalas nos serviços de urgência, explicou Jorge Roque da Cunha. Na prática, estes médicos em formação têm de ser acompanhados por um médico especialista. Em Portugal, de acordo com os dados dos Sistema Nacional de Saúde, existem mais de 10 mil médicos internos – valor que tem vindo a aumentar ao longo dos anos. 

No serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital de Santa Maria, por exemplo, «deviam estar cinco especialistas, sendo que normalmente são quatro e, desses quatro, muitas vezes estão dois internos», avança Jorge Roque da Cunha. 

Já o serviço de pediatria do Hospital Garcia de Orta, em Almada, deveria contar com quatro especialistas, dada a especificidade do serviço, mas neste momento tem apenas um especialista, um médico de clínica geral e familiar e um interno. «E muitas vezes esse interno nem sequer é de pediatria», acrescenta o presidente do sindicato. Em setembro, a situação agrava. 

Os exemplos de internos que completam as escalas das urgências multiplicam-se. Também no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), a especialidade de anestesiologia deveria ter cinco médicos especialistas, mas «normalmente são quatro, dos quais, muitos dos dias, estão dois internos».

Casos: 

Hospital de Santa Maria

Deveria ter cinco especialistas em ginecologia/obstetricia. Sindicato diz que há quatro médicos, dois deles internos.

Hospital Amadora-Sintra

Serviço de anestesiologia deveria ter cinco especialistas. Em alguns dias tem quatro médicos, dois deles internos.