Tempo de atenção

Percebe-se claramente que a fidelidade política se sobrepõe a qualquer outro critério na constituição das listas eleitorais. No fundo só votamos em líderes e nas suas escolhas.

Percebem-se também alguns temas eleitorais inevitáveis, como a perigosidade do futuro, a fragilização de apoios sociais, a incerteza no acesso a cuidados de saúde, a mingua de oportunidades fora e dentro dos grandes centros, a escassez de emprego compatível com a formação, a dificuldade na escolha da formação, a ameaçadora e súbita obsolescência de competências, a privação de condições que garantam a habitação condigna, bem como a temida emergência de uma nova crise económica e social de dimensão mundial. Tudo isto ocorrerá a par de uma  narrativa de país das maravilhas, em alternativa a uma outra reveladora  de inesperadas potencialidades protagonizada por novos e velhos atores.

Ao mesmo tempo, fruto da virtuosa prosperidade e expansão do ensino superior, assistimos à multiplicação do número de cidadãos politizados, embora encrustados numa dramática fragilidade cultural que subverte o sentido do ensinamento. Nem sempre são os pais a ensinar os filhos, mas os filhos a ensinar os pais.

Este fenómeno alarga substancialmente possibilidades eleitorais usando preocupações particularmente sensíveis para se empolgarem as audiências através de propostas com soluções aparentemente óbvias que resolvem os problemas insistentemente presentes. 

Contudo, é também alargada a perceção da multiplicação de organizadores profissionais de movimentos sociais, cristalizadores de insatisfações, que se transformam ou transformarão em posteriores defensores de interesses generalizados, a par da fragilização do papel do Estado por sucessiva acumulação de influências de grupos de pressão poderosos, apresentados pública e candidamente como defensores do interesse e do bem comum.

Ao mesmo tempo é aclarado o papel do poderoso contingente de personalidade e de cidadãos anónimos dependentes de resultados eleitorais e ansiosamente expectantes de nomeações políticas para desempenhos profissionais de relevo social ou de lugares bem remunerados.

Talvez seja aqui que radica quer a crescente dimensão da classe política, quer a sua dependência das máquinas eleitorais, como também a preocupante dimensão da abstenção eleitoral.

Embora encarando tudo como natural, é porém essencial estar preparado para conseguir distinguir as recorrentes confusões entre equidade abstrata e premiação do esforço e do empenhamento, entre a validade da opinião dos esclarecidos e a força da reação da multidão, entre a razão decorrente do conhecimento e a emoção exaltada pelos discursos empolgantes, afastando liminarmente  a perigosa confusão entre amor e justiça, no limite, entre a emoção e a razão.

Tanta confusão conduz invariavelmente a narrativas de permanente ajuste de contas, extremadas muitas vezes em discursos de ódio, explorando diferenças entre as periferias e os centros de diferentes naturezas, realidades que são geometrizados ao gosto e conveniências dos narradores, transformando adversários em inimigos, usando posturas demagógicas, estendidas até à confrontação de ignorâncias. Multiplicam-se as artimanhas de exclusão, expressas nos planos administrativo, cultural, legal, judicial, religioso, económico, social, etc., onde nem sempre são claros nem os objetivos nem os interesses que lhes estão subjacentes.

Para evitar que alguns iluminados ‘curem a sociedade’, é fundamental não só que o sentido de tolerância, compreensão e afinidade essenciais à dignidade humana seja percebido de forma concludente, mas também estar precavido contra truques e, quiçá, contra burlas demagógicas.

O jogo faz-se entre a servidão e a liberdade. O tempo é de atenção.

 

Economista