Foi você que pediu?

Quem faz bem deve zelar para que não haja quem faça mal, o que não é nada fácil. Porque um dia as pessoas vão voltar aos resorts do médio oriente e conseguir passagens ainda mais baratas para a Tailândia. Sol e praia é bom, em Portugal é ótimo, mas não é único. Não é isto…

O título do texto não diz muito aos leitores mais novos, mas certamente muitas pessoas ainda recordam uma das frases que marcavam o intervalo no tempo dos dois canais. A qualquer hora do dia. Muito antes das restrições de horário da publicidade a bebidas alcoólicas. Os tempos mudaram, evoluímos e hoje só se podem anunciar bebidas alcoólicas depois das 22h30, respeitando um conjunto de regras específicas, apelando a um consumo responsável. Descontando um ou outro exagero, uma excelente medida. E o Porto Ferreira continua a fazer bons anúncios. 

Este texto não é sobre a comunicação de bebidas alcoólicas ou uma análise da marca Porto Ferreira. Parte do reencontro com este anúncio no inevitável YouTube deve-se a uma paixão pela estética e conteúdos dos anúncios vintage. Neste caso, o requinte do serviço retratado em todos os momentos em que é servido o Porto Ferreira. Quem serve o Porto Ferreira pergunta educadamente se foi a outra pessoa que pediu, em jeito de confirmação – e para mencionar a marca, claro – de uma forma elegante, sofisticada, respeitando quem pediu a bebida. Retrata-se o bom serviço e a vontade de bem servir. 

No atual contexto de regresso de férias, que julgo partilhar com muitos portugueses, recordo ainda com grande presença alguns momentos das últimas semanas. Andei por onde muito outros turistas portugueses, e cada vez mais estrangeiros, também andaram. E é uma enorme alegria ver um universo cada vez mais numeroso e eclético de pessoas com interesse em conhecerem o nosso país, a usufruírem do sol, da praia, do campo, a conhecerem a nossa cultura e todo as belezas naturais que temos para oferecer. Que orgulho! 

Mas depois entra-se num restaurante, espera-se meia hora para sentar mesmo quando a previsão é de cinco, dez minutos no máximo e quando fazemos o pedido falhamos por uma mesa a última dose de sardinhas. Pouca sorte. Duas horas depois ainda estamos à mesa, a tentar estabelecer contacto com alguém que nos possa trazer a conta e acabe com o sofrimento, apenas atenuado pela qualidade da matéria prima e da confeção da grande maioria dos nossos restaurantes.  Lá se vai uma tarde de praia, não é muito grave, amanhã há outra. Mas para quem nos visita, com o tempo mais contado ou com mais dificuldade em regressar, este é o tipo de experiência que garante que não voltam. Não voltam ao restaurante, talvez não voltem ao país.

Sem qualquer demérito para o esforço e competência de muitos operadores turísticos e prestadores de serviços no ramo da hotelaria, são cada vez mais apesar de ainda em número insuficiente, estamos a perder uma oportunidade. Talvez nunca tenha sido tão fácil ganhar dinheiro com o turismo, a procura pelo país e o rendimento disponível das famílias têm vindo a crescer de forma consistente nos últimos anos. Já a qualidade do serviço deixa muito a desejar. A analogia com a fábula da galinha dos ovos de ouro, uma história que a minha filha de quatro anos não tem qualquer dificuldade em compreender, é por demais óbvia. 

Não podemos prometer e não cumprir, concordando que alguém espere uma hora ao sol para almoçar e depois dizer que não há metade da carta. Não podemos anunciar um serviço de excelência sem fazer um esforço para compreender uma língua estrangeira ou um hábito diferente do nosso. Não podemos atender todos os amigos e clientes habituais fazendo conversa, tornando evidente a nossa simpatia e depois não dizer bom dia, obrigado ou por favor ao cliente que não conhecemos de lado nenhum. Não devemos acreditar que o turista não tem alternativa, porque tem, e que aceita tudo com a desculpa do very typical. Há muito que o turista nacional não aceita este motivo. Por que funcionará o estrangeiro de forma diferente? 

Nunca foi tão fácil ganhar dinheiro com o turismo, o que não quer dizer que seja fácil ganhar dinheiro com turismo, sobretudo se tivermos que viver disso o ano inteiro. O efeito da sazonalidade até pode estar mais esbatido, mas o fenómeno ainda existe. Quem anda nisto há mais anos conhece bem as dificuldades de equilibrar a gestão anual de negócios sazonais, sobretudo nas zonas mais dependentes do clima ou de fenómenos culturais, as variações entre as épocas altas e baixas são da noite para o dia. Mas não podemos prestar maus serviços, isso nunca, com a desculpa verdadeira de se tratar de uma pessoa nova, que ainda não sabe trabalhar e que não se arranja pessoal. Podemos sim prestar menos serviços, não alojar tanta gente e deixar de servir refeições quando já não há capacidade para tal. Baixar o padrão de qualidade não, esse é um risco que não podemos correr.

No caso português surge ainda mais uma agravante pois, apesar de toda a oferta natural, gastronómica e cultural, são as pessoas, a hospitalidade dos portugueses, o que mais atrai quem nos visita. Hoje o sucesso do turismo depende muito de opiniões, da partilha de experiências. Há um fenómeno de contágio, muito rápido e praticamente impossível de parar. Se ficamos encantados quando um determinado blogger ou instagramer publica uma foto ou escreve um texto a dizer que passou o melhor momento da sua vida, queremos todos fazer o mesmo, o fenómeno inverso é igualmente verdadeiro e até mais poderoso. Os alojamentos com menos pontuação no booking são mais difíceis de alugar, uma fotografia de um prato feito ou mal confecionado pode arruínar uma casa.  

É difícil esquecer uma má experiência e recuperar um cliente insatisfeito, é a tarefa mais difícil e onerosa que um marketeer pode enfrentar. Podemos fazer tudo o que quisermos para promover e valorizar o país, mas se as pessoas, sobretudo as que dão a cara, não tiverem vontade e capacidade para servir bem, se não tiverem a consciência que a aquilo que fazem vale mais do que mil anúncios, não acredito que possamos ter um futuro risonho neste setor. Pelos menos uma atividade turística de que nos possamos orgulhar ou que possa fazer a diferença na economia do país nos próximos dez anos. E pelos maus, por muito poucos que sejam, podem pagar todos: este é um dos mais evidentes trade off das redes sociais e dos fenómenos de milhões de seguidores. Quem faz bem deve zelar para que não haja quem faça mal, o que não é nada fácil. Porque um dia as pessoas vão voltar aos resorts do médio oriente e conseguir passagens ainda mais baratas para a Tailândia. Sol e praia é bom, em Portugal é ótimo, mas não é único. Não é isto que nos diferencia.

Uma boa experiência funciona como um bom anúncio, é difícil de esquecer. Lembro-me do anúncio do Porto Ferreira de uma altura em que só via desenhos animados na televisão. Mas a memória que levo destas férias, cheias de fantásticas experiências em várias regiões do país, é também a de muitos ‘empresários’ a afiar a faca para ver o que está dentro da galinha. A minha filha Luísa já conhece o fim, e a moral, desta história.

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media