SNS para cães e gatos: descabido ou fundamental?

Trata-se de possibilitar às famílias mais pobres o direito à saúde dos seus animais de companhia. Em suma, a proposta colhe inúmeros impactos positivos na nossa sociedade, quer seja pela garantia da qualidade da nossa saúde pública, quer seja pela melhoria de vários aspectos sociais, tais como, maior equidade, justeza, solidariedade, entre outros.

Em entrevista à Visão, André Silva, Deputado do partido político Pessoas-Animais-Natureza (PAN), propôs a possibilidade de um SNS para cães e gatos, em Portugal. De imediato, a afirmação gerou uma enorme onda de desconsiderações oriundas dos vários quadrantes ideológicos do espaço público. Por tratar-se de uma retroação vibrante e democraticamente saudável, cabe-me, agora, discorrer um pouco sobre esta proposta do PAN, a qual, para muitos, tem tanto de radical ou exagerada quanto de descabida ou supérflua. Vamos por pontos.

À primeira vista, a proposta consiste essencialmente numa ligeira melhoria na implementação das condições impostas pela Lei n.º 27/2016, a qual proíbe o abate de animais errantes como forma de controlo da população. Muito sucintamente, ao admitir que uma das propostas do programa do PAN para a próxima legislatura poderia passar por algo de parecido com um SNS para animais domésticos, André Silva também cuidou de explicar que esta proposta visaria dar uma resposta social no apoio às famílias carenciadas, bem como às associações que protegem e acolhem animais errantes e abandonados.

Ao contrário da impressão errada que ficou no imaginário de algumas mentes mais afiadas, não se trata de retirar das Pessoas o SNS para dá-lo aos animais domésticos. Por um lado, trata-se de providenciar o devido auxílio às associações que se encarregam de substituir as responsabilidades do Estado na garantia das regulares condições da nossa saúde pública. Por outro lado, trata-se de possibilitar às famílias mais pobres o direito à saúde dos seus animais de companhia. Em suma, a proposta colhe inúmeros impactos positivos na nossa sociedade, quer seja pela garantia da qualidade da nossa saúde pública, quer seja pela melhoria de vários aspectos sociais, tais como, maior equidade, justeza, solidariedade, entre outros.

Acaso alguém discorda do papel que tais associações desempenham para o bem-estar da nossa sociedade? Alguém contesta que estas associações substituem o papel do Estado e previnem, entre outras coisas, problemas de saúde pública? Acaso alguém defende que só as famílias de classe média e alta devem ter direito à boa saúde dos seus animais domésticos? Suponho que poucas Pessoas de bom senso arriscam fazê-lo.

E as poucas Pessoas que o fizerem, seguramente, desconhecerão as duras realidades que estas associações enfrentam na tentativa de cumprirem a sua missão. Só no Distrito de Viana do Castelo, de onde sou natural, há vários exemplos de associações que têm lutado durante anos por umas instalações que  permitam dar capacidade de resposta ao número de animais recolhidos nas ruas. De igual modo, estas mesmas associações carecem de recursos financeiros suficientes, quer para fazer face às necessidades de esterilização destes animais, quer para saciar as suas necessidades alimentares, contando, não raras vezes, com as ajudas da população local. Certamente, tais Pessoas ignorarão também que, em Portugal, mais de metade dos lares têm um animal de companhia, e que uma pequena parte destas famílias mal consegue condições económicas suficientes para fazer face às suas necessidades básicas humanas, quanto mais poupar recursos para pagar a saúde dos seus animais de estimação. Com efeito, algumas destas famílias compõem-se de pessoas idosas com reformas muito baixas, cuja única companhia é um cão ou um gato. Será justo ignorarmos a condição destas famílias e negar-lhes o princípio da solidariedade? Faz sentido reduzir-lhes a possibilidade de estarem na companhia dos seus animais de estimação? Será justo considerarmos a companhia dos animais de estimação como um luxo apenas acessível a Pessoas de classe média e alta? Suponho que não.

E suponho igualmente que tudo isto seja um problema de somenos importância quando consideramos a enorme contribuição do sector alimentar dos pets para a economia Portuguesa. Isso mesmo! As famílias Portuguesas gastam cerca de 500 milhões de euros por ano para alimentar cães e gatos. Em Portugal, este sector tem vindo a crescer 6% ao ano. Temos cerca de três mil estabelecimentos que comercializam produtos para animais, os quais dão emprego a cerca de dez mil Pessoas. A tudo isto acrescenta-se ainda as despesas com acessórios, consultas veterinárias, banhos, tosquias, serviços de hotel, entre muitas outras. Estou certo de quando pomos em perspectiva a contribuição que os pets têm para o PIB Português, assim como a contribuição das associações que retiram os cães e gatos das nossas ruas, confluindo para uma maior qualidade da nossa saúde pública, a ideia de um SNS para cães e gatos comece a fazer mais sentido nas mentes mais céticas e conservadoras.

De resto, e já agora, porque não pensarmos no quão felizes seriam estas famílias carenciadas e associações se canalizássemos a seu favor os cerca de 16 milhões de euros subvencionados anualmente pelas autarquias para espetáculos de tauromaquia? Pois… talvez seja um bom tema para uma próxima conversa.

por Ricardo Arieira

Cabeça-de-Lista do PAN pelo Círculo Distrital de Viana do Castelo