António Costa tem uns óculos especiais

«Tivemos uma crise gravíssima a meio do ano na emissão de Cartões de Cidadão e passaportes. Com o alargamento do número de balcões, o reforço do pessoal e a simplificação administrativa, está hoje ultrapassada». Genial. Eu tenho o Cartão de Cidadão caducado e só tenho vaga para o final de outubro… E os estrangeiros que…

José Mourinho, nos seus tempos áureos, usava sempre a mesma tática: atacava os adversários e chamava a si os holofotes da polémica. Com a resposta dos adversários, Mourinho incentivava os seus jogadores, chegando ao ponto de afixar nos balneários os recortes dos jornais com as bocas dos adversários. Enquanto treinou equipas onde não havia muitos craques – no FC Porto a estrela maior era o treinador e no princípio do Chelsea havia três ou quatro vedetas – conseguia alcançar os resultados desejados com essa luta permanente. Digamos que José Mourinho puxava pelo pior dos outros para não se olhar para as suas (equipas) debilidades.

O mais parecido que conheço com José Mourinho é o nosso primeiro-ministro – também José Sócrates usava uma tática semelhante. Mas vamos à entrevista que António Costa deu ao seu Expresso. 

1.Quando questionado se tinha falado com Rui Rio durante a crise dos combustíveis, respondeu: «Não, foi claro publicamente que o dr. Rui Rio pretendia manter-se em férias neste período, e eu respeito as férias de quem quer manter-se em férias». Não percebi se Costa estava a dizer que temos todos de respeitar que aquando dos incêndios que mataram mais de 60 pessoas ele estivesse de férias e que, portanto, nada se lhe pode apontar ou se quis comparar as duas situações. Calculo que a crise dos combustíveis dos veraneantes seja mais importante que os incêndios.

2.Sobre a recandidatura de Marcelo, mais um recado à Costa: «É manifesto que 70%, 80%, em todos os estudos de opinião, a não recandidatura seria uma desilusão para parte importante do país […]. É preciso saber qual é a ideia do Presidente sobre o segundo mandato, visto que a história nos tem ensinado que a regra é os segundos mandatos costumam ser particularmente adversos para os governos em funções. Há aqui muitas incógnitas». É pois claro que Costa quer uma maioria absoluta para diminuir a importância do Presidente. Marcelo já levou o recado.

3.Quando estava na oposição, Costa não se continha nas críticas à austeridade e aos cortes que foram feitos. Mas, agora, sobre as greves disparou: «Toda a gente sabe (e os anos de crise eliminaram as dúvidas de quem as tinha) que as necessidades são ilimitadas e os meios, infelizmente, são limitados».

4.À boa maneira de Mourinho e dos grandes líderes, o primeiro-ministro quer obrigar-nos a ver a realidade pelos seus olhos e não hesita em mostrar-nos o fantástico mundo em que vivemos: «Tivemos uma crise gravíssima a meio do ano na emissão de Cartões de Cidadão e passaportes. Com o alargamento do número de balcões, o reforço do pessoal e a simplificação administrativa, está hoje ultrapassada». Genial. Eu tenho o Cartão de Cidadão caducado e só tenho vaga para o final de outubro… E os estrangeiros que querem tratar do seu visto de residência que esperam um ano não existem? 

5.Na sua estratégia de dar baile à geringonça, afirma: «Não tenho dificuldade em acompanhar Jerónimo de Sousa quando ele diz que entre gente de bem basta um aperto de mão ou mesmo olharmo-nos olhos nos olhos». Numa inspiração à Daniel Oliveira, o dos olhos nos olhos, Costa manda o recado ao BE e faz uma festa ao PCP. Dias depois haveria de dizer à TVI que num próximo governo não há lugar para ministros desses dois partidos.

6.Por fim, a mais genial de todas: «Era muito fácil mudar a lei da greve, mas não a mudámos, porque é importante mantê-la e respeitar os direitos dos trabalhadores». Lol!
vitor.rainho@sol.pt