O ‘sagaz Mr. Costa’…

O primeiro ministro em exercício dispõe, naturalmente, de informação privilegiada, em especial sobre algumas sondagens exclusivas, cujos resultados costumam ficar confinados aos gabinetes, e se apontou ‘baterias’ para o Bloco, desvalorizando olimpicamente o PSD ou o PCP, é fácil adivinhar porquê…

Em mais uma extensa entrevista ao Expresso, António Costa libertou-se e decidiu ‘malhar’ no Bloco de Esquerda (que lhe respondeu à letra, lamentando a ‘caricatura’) e ‘mimar’ o PCP, fazendo dos comunistas, em fim de ciclo de Jerónimo de Sousa – e em decadência eleitoral acelerada –, um partido responsável que nunca foi e com grande ‘maturidade institucional’, uma descoberta.

Este súbito desaguisado com o Bloco, como se fosse um arrufo de namorados, só poderá enganar os incautos, quando se sabe – e ficou agora mais à vista – que o PS tem vindo a incorporar a agenda mais ‘fraturante’ da dupla Catarina Martins-Francisco Louçã, como foi o caso da chamada legislação sobre a ‘identidade do género’ e o mais recente despacho normativo das ‘casas de banho’.

O primeiro ministro em exercício dispõe, naturalmente, de informação privilegiada, em especial sobre algumas sondagens exclusivas, cujos resultados costumam ficar confinados aos gabinetes, e se apontou ‘baterias’ para o Bloco, desvalorizando olimpicamente o PSD ou o PCP, é fácil adivinhar porquê…

Não será arriscado admitir, por isso, que as previsões de ‘malha fina’ apontem para um crescimento do Bloco – beneficiário de uma juventude urbana viciada em ‘causas’ –, comprometendo a ambição mal disfarçada de Costa de imitar Sócrates e alcançar nova maioria absoluta. E daí que agite o ‘papão’ de outra crise internacional no horizonte, aspirando a um ‘um governo forte’, sem depender da extrema esquerda.

Percebeu-se, também, a reação nervosa do BE perante a demarcação de Costa, ao defender que ‘um PS fraco e um BE forte significa a ingovernabilidade’.

Foi, aliás, comovente ouvir as lamúrias de Marisa Matias, que, embora de malas aviadas para Bruxelas, ainda partilhou das ‘dores’ do partido, perante a inusitada ‘traição’, após quatro anos de relação intensa. A ingratidão e o sentimento de ser descartável é sempre custoso.

Um sério revés, portanto, quando tudo parecia correr de feição ao Bloco, como transparecia dos seus manifestos eleitorais, elaborados já com notório cuidado formal.

Para exibir um ar de modernidade e estar sintonizado com a ‘batalha de vida’ do ‘avô’ Guterres, o Bloco elegeu mesmo a ‘emergência climática’ como uma das suas principais bandeiras.

Não descurou, contudo, as antigas, desde a «consagração da autodeterminação de género para as pessoas trans’ e a ‘proteção das pessoas intersexo e das pessoas de género fluido», até à reestruturação da dívida, nacionalizações (Banca, CTT, etc.) ou o fim das PPP na Saúde. Finalmente, fiel aos seus grandes desígnios, não excluiu a perseguição aos ‘ricos’ (leia-se classe média) com o agravamento da carga fiscal, incidindo sobre património e heranças. 

Para aquietar alguns espíritos porventura mais receosos, o Bloco deixou cair a saída do euro, em jeito de quem quer apresentar um atestado de bom comportamento, prévio à ocupação do aparelho de Estado.

Esta azáfama bloquista encontrou regaço no PS, que lhes tem feito as vontades, quer ao ceder no facilitismo no ensino público, quer ao promover aulas de ‘cidadania’ com diligentes pregadores da ‘ideologia do género’, ensinando as crianças a sobrepor ao sexo biológico a ‘identidade do género’, que podem escolher e autoatribuir-se antes mesmo de terem idade para votar.

Podem faltar os recursos às escolas para resolver a degradação das instalações, mas inventa-se sempre um ‘saco azul’ qualquer para pagar a nova cartilha ideológica, cultivada nas tertúlias dos ativistas radicais. 

Ao sugerir que o BE ‘vive na angústia de ter de ser notícia’ – o que é verdade –, Costa denunciou a matriz das suas preocupações. Como o PSD é um fracasso anunciado, Costa até se permitiu dizer na entrevista, com indisfarçável gozo, que espera que ‘o resultado eleitoral do Dr. Rui Rio fique aquém do resultado do Dr. Passos Coelho’.

Em 2015, as sondagens enganaram o PS, que cantou vitória antes de tempo. Mas Costa aprendeu como é possível dar a volta à derrota, desde que se esteja disponível para fazer alianças com os inimigos de véspera e romper com princípios pelos quais os socialistas se costumavam bater.

Ao trazer para a órbita do governo o PCP e o Bloco, Costa viu consagrado o seu ‘jogo de cintura’, enquanto amarrava os dois parceiros a um silêncio cúmplice, que penalizou sobretudo os comunistas.

Afinal, ‘o sagaz Mr. Costa’, segundo o editorialista do Financial Times – amplamente divulgado pelos media portugueses, com a habitual subserviência acrítica a tudo o que vem de fora , como era corrente antes do 25 de Abril – ‘meteu-os no bolso’ e soube ainda aproveitar-se da ingenuidade de Rio para conseguir que o PSD ‘mordesse o anzol’ sem lhe dar nada em troca. A sabedoria da ‘pesca à linha’ está no isco…