Governo troca cortes por impostos

Défice fixou-se em 445 milhões de euros até julho, uma melhoria de 2,2 mil milhões face a 2018. Receitas cresceram quatro vezes mais do que as despesas. Mas futuro é incerto.

Governo troca cortes por impostos

A austeridade continua em Portugal, mas os cortes de pensões e salários foram substituídos por aumento de impostos. A garantia é dada ao SOL por Pedro Amorim, analista da corretora Infinox, que justifica desta forma o défice alcançado até julho. A execução orçamental das Administrações Públicas (AP), em contabilidade pública, registou um défice de 445 milhões de euros, uma melhoria de 2,2 mil milhões de euros face a 2018, segundo os dados divulgados pela Direção-Geral do Orçamento (DGO). Já para Carla Santos, analista da XTB, «esta redução do défice é importante, principalmente como trunfo para justificar uma boa gestão do governo, nas eleições legislativas que se aproximam».

No entanto, Pedro Amorim admite que o clima de incerteza é muito grande. «Muitos previam que ‘vinha aí o Diabo´, o que é certo é que ele ainda não chegou. O contexto internacional não está fácil e Portugal vai ser afetado mais cedo ou mais tarde, ou seja o ‘diabo’ pode vir aí e na minha opinião não estamos preparados», refere ao SOL. Ainda assim, o analista lembra que existem pequenas diferenças entre o cenário de 2019 e o de 2008. «Na crise internacional de 2008, só em 2011 é que chegou a Portugal. Hoje, se acontecer vai ser mais rápido e mais danoso por um motivo: as coisas estão mais tecnológicas e transmitem-se mais rapidamente», salienta.

A verdade é que os dados divulgados pela DGO falam por si. A receita subiu 6,5% e a despesa 1,6%. Um resultado que levou Mário Centeno a dizer que revela «o processo de consolidação orçamental típico de Portugal nestes quatro anos e a resiliência da economia» nacional.

Apesar de reconhecer que a economia portuguesa está a registar um bom desempenho, Pedro Amorim considera que «podia estar melhor», lembrando que «a situação da economia portuguesa estava muito degradada em 2015, pela qual ter taxas de crescimento acima dos 2% era fácil de alcançar. Para usar uma analogia, em 2014-2015 a nossa economia parecia que tinha saído de uma guerra». E dá como exemplo, o que poderia ter sido feito para potenciar mais o crescimento económico: «Os eventos internacionais como o Brexit podiam ter sido melhor aproveitados para captar investimento estrangeiro. Ainda estamos muito focados na economia do consumo – não é sustentável a longo prazo».

 

Pressão sobre carga fiscal

Só a receita fiscal cresceu 6,3%, com o Estado a arrecadar mais 1.486,6 milhões de euros em impostos até julho, ultrapassando os 25 mil milhões, com destaque para o aumento do IVA em 8,9%, IRC em 7,4% e ISP em 9,4%.

No entanto, o Ministério das Finanças explica que «este crescimento ocorre apesar da redução da carga fiscal associada a vários impostos, como o IRS (pelo impacto da reforma do número de escalões), o IVA (pela diminuição da taxa de vários bens e serviços) e o ISP (pela redução da taxa aplicada à gasolina em 3 cêntimos)».

De acordo com o gabinete de Mário Centeno, «a dinâmica da receita é essencialmente justificada pelo bom desempenho da economia. O comportamento positivo do mercado de trabalho é visível na evolução da receita das contribuições para a Segurança Social, que cresceram 8,7% até julho. O crescimento das contribuições é também o resultado das alterações introduzidas no regime dos trabalhadores independentes».

Um cenário reconhecido pelos analistas ouvidos pelo SOL. «Se a taxa de desemprego diminuir, aumenta a capacidade financeira da população, com aumento do consumo e aumento das receitas fiscais e laborais», reconhece Carla Santos.

 

Despesa sobe

Já a despesa primária cresceu 2,8%, influenciada pelo efeito do perfil mais acentuado de reforços no SNS para regularização de dívidas de anos anteriores. «Corrigido esse perfil, a despesa primária cresceria 3,2%, destacando-se o crescimento de 5,6% da despesa do SNS, atingindo máximos históricos», segundo os dados da DGO.

Já a despesa com salários aumentou 4,6%, «refletindo o processo faseado de descongelamento das carreiras entre 2018 e 2020, destacando-se o crescimento expressivo na despesa com professores (4,2%) e profissionais de saúde (6,8%), mais elevados do que nos restantes setores da administração pública».

A evolução da despesa é também explicada pelo crescimento das prestações sociais (4,1%), nomeadamente com o aumento da despesa com a prestação social para a inclusão (31,4%), do abono de família (10%) e do subsídio por doença (10,1%).

A despesa com pensões da Segurança Social cresceu 5,5%, mas o Ministério das Finanças diz que isso reflete «o facto de a generalidade dos pensionistas ter aumentos nas pensões e de a grande maioria ter aumentos superiores à inflação, o que acontece pelo segundo ano consecutivo na última década». Aliado a isso há que contar com «o impacto dos dois aumentos extraordinários de pensões, ocorridos em agosto de 2018 e em janeiro de 2019».

A DGO destaca ainda o investimento no setor dos transportes sobretudo na CP (64%) e Infraestruturas de Portugal (44%).

No entanto, Carla Santos lembra que «as despesas aumentaram resultado em parte da política de promoção salarial das Administrações Públicas. Este será um ponto que facilmente o governo poderá deixar cair no futuro, ajustando pela positiva a despesa». Uma opinião partilhada por Pedro Amorim, ao reconhecer que «a despesa só aumentou agora neste último ano, provavelmente por motivos eleitorais, como é tradicional em Portugal. A despesa terá necessariamente um aumento todos os anos devido à inflação e amortizações».

Também os pagamentos em atraso registaram uma melhoria de 250 milhões face a igual período do ano anterior, o que é «explicado em grande medida pela diminuição de 223 milhões nos Hospitais E.P.E., atingindo valores próximos do mínimo histórico», salienta o documento. Ainda assim, segundo a DGO, os hospitais EPE continuam a revelar o maior valor em dívida (550,4 milhões de euros), seguindo-se a administração regional (107 milhões de euros), a administração local (77,3 milhões), a administração central, excluindo o subsetor saúde (26,9 milhões), as empresas públicas reclassificadas (18,1 milhões) e o subsetor da saúde (9,9 milhões de euros).

O passivo não financeiro (que inclui os pagamentos em atraso) situou-se em julho em 2.071 milhões de euros, uma diminuição de 92,8 milhões de euros face ao mesmo período do ano passado.

Já as cativações fixaram-se em 582,1 milhões de euros até junho, quando no início do ano estavam cativos 653 milhões de euros. «As cativações baixaram levando ao aumento da despesa pública, mas as cativações pretendem controlar o aumento da despesa e não reduzir a própria despesa. São despesas já aprovadas pelo governo e é normal que vá reduzindo ao longo do ano fiscal», conclui Carla Santos.