Um regime a caminho da Orbanização?

Dentro de aproximadamente cinco semanas, os cidadãos portugueses serão convidados a voltar às urnas, para participarem nas eleições legislativas de 2019.

Quantos deles irão aceitar esse convite é, obviamente, uma incógnita, mas não é preciso possuir grandes dotes de adivinhação, para imaginar que não serão muitos ou pelo menos que serão muito menos, do que aqueles que, nas actuais circunstâncias e tendo em conta o real estado da sociedade portuguesa, tinham a obrigação e, sobretudo o interesse, em participar no próximo acto eleitoral.

O afastamento de uma participação activa cidadã, que se advinha e teme, será, porventura, a maior ameaça que pesa sobre o sistema político português e sobre a qualidade da sua evolução para o futuro.

Há razões objectivas para isso, sendo a primeira de todas o adormecimento em que foi colocada a população portuguesa, ‘drogada’ com a ideia de que a austeridade acabou, todo o mal da troika foi ou está em vias de ser erradicado e o equilíbrio das contas públicas, obtido por estímulos externos não controláveis, por uma carga e um esforço fiscal record e por uma política de cativações que está a colocar a prestação dos serviços públicos no limite do tolerável, vão permitir, a prazo, construir uma vida mais justa e mais rica para todos.

Só que este ‘adormecimento’, ou passividade cívica, só é possível pela ausência total de uma oposição de alternativa que é incapaz de definir propostas e soluções que, no mínimo, permitam aos portugueses, fazer uma escolha diferente, racional e exequível, respeitando a identidade portuguesa, os compromissos externos e o desígnio nacional (assente na liberdade, na democraticidade, na convivência com outros estados e na inserção no projecto europeu) que tem sido a nossa matriz condutora, como nação, após o 25 de Abril de 1974.

Este ‘estado da arte’ é, essencialmente, válido para os partidos estruturantes do regime, pois todos os outros, mesmo quando abordam temáticas de interesse e de merecimento, são pura e simplesmente ignorados no espaço público por uma parte considerável da comunicação social que, na maior parte das vezes, sem o saber evitar, está ao serviço e protege o poder pessoal instalado.

Só se salvam, quando se salvam, algumas propostas fracturantes, que entusiasmam, periodicamente, certas minorias sem representatividade, mas ajudam a empurrar muitos cidadãos para o desinteresse ou para a apatia (isto, claro, enquanto não chega a opção do extremismo radical).

Os diversos escândalos políticos, a tomada de decisões insensatas, o desrespeito pela diferenca, os discursos contraditórios, o uso em proveito próprio de outras fontes de poder, o ataque pessoal, a ausência de rumo são, quando são, objectos de referência ‘expresso’ mas rapidamente se perdem na divulgação das ‘boas’ notícias que a central de informação do poder coloca no espaço público de forma regular e calculada.

É sabido que, num regime formalmente democrático, é indispensável manter partidos e, claro, realizar eleições periódicas, embora seja necessário, para manter um poder pessoal ou de uma elite, criar condições para que o partido do poder se confunda, primeiro com todo o aparelho de Estado e, de seguida, aparentemente com os desígnios nacionais recriando um verdadeiro partido institucional – experiência importada de outras latitudes – e para isso é necessária uma comunicação social dócil e uma opinião pública domesticada.

A ‘cereja em cima do bolo’ é o reconhecimento internacional, baseado em ‘estórias’ que contam meias verdades e num controlo ‘fiduciário’ de certos poderes de comunicação, no exterior, de aparente credibilidade.

Sem preocupações com o resultado do próximo acto eleitoral é este, actualmente, o grande foco do actual Governo.

Sabemos agora que a grande motivação da solução ‘geringonça’ foi a de salvar o PS (só falta saber a qual PS o criador da solução se referia) e começa a ser claro, para quem não se deixa envolver na espuma das aparências, que este modelo, a prazo, trará graves problemas à sociedade portuguesa e colocará em risco o modelo democrático constitucional que é o nosso compromisso, há mais de 40 anos, e que tanto deve ao PS de Soares e Zenha.

Numa altura em que tanto se exorciza e critica o modelo de democracia iliberal, que cresce nalguns países do leste europeu e tem a sua referência principal na Hungria de Orban, convém estar atentos a alguns sinais preocupantes no espaço doméstico.

Afinal Orban andou mesmo por aí, mas foi só para ir ‘rezar’ a Fátima, e não será um grande perigo se não houver, em Portugal, quem, consciente ou inconscientemente, lhe queira seguir o exemplo.