Portugal é um dos países europeus com maior risco de desertificação

Tribunal de Contas revela que programa não está a cumprir com o compromisso assumido com as Nações Unidas para travar a degradação do solo, que leva à desertificação.

O programa do Governo para combater a desertificação é “ineficaz”, tem várias falhas e não está a cumprir com o compromisso de “neutralidade da degradação do solo” – ou seja, torná-lo mais fértil e sustentável – fixado na Agenda 2030 das Nações Unidas. Além disso, é impossível saber se as verbas transferidas por Bruxelas para combater a desertificação – que ascendem a 2,7 milhões de euros – são, de facto, canalizadas para o programa de combate à desertificação.

Estas são algumas das conclusões do Tribunal de Contas (TdC), que divulga hoje uma auditoria à organização e execução do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação, revisto em 2014.

Os juízes salientam ainda que as duas estruturas que foram criadas através do programa de combate à desertificação “são ineficazes”. Trata-se da Comissão Nacional de Coordenação, que “não cumpriu” com as suas funções “por falta de recursos humanos e financeiros”, e do Observatório Nacional de Desertificação, que “nunca” chegou a funcionar, “o que não permitiu assegurar a monitorização do programa e dos respetivos resultados nem sistematizar o conhecimento sobre a desertificação”, lê-se no documento.

No relatório, os juízes deixam vários alertas sobre o impacto das alterações climáticas e desertificação e fazem várias recomendações ao ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, ao ministro do Ambiente e da Transição Energética e ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

O programa analisado pelos juízes do TdC foi criado em 1996 e revisto em 2014, com o objetivo de identificar e monitorizar os riscos de desertificação, e para definir as linhas de ação para o combate às alterações climáticas, através da gestão do uso da água e da gestão das florestas.

Os alertas do TdC são feitos numa altura em que a desertificação “tem vindo a aumentar” em Portugal, afetando hoje 58% do território nacional, “sobretudo nas áreas do sul e do interior centro e norte”.

E o cenário futuro, traçado pelo juízes, está longe de ser animador. De acordo com o relatório do TdC, as previsões sobre as alterações climáticas “tornam expectável o acentuar dos riscos de desertificação” no país, acabando por potenciar um “maior risco de incêndios” que resultam “na redução da capacidade produtiva dos solos e na escassez de recursos hídricos”.

 

Revisão do Programa e mais apoios à agricultura

Os juízes recomendam, desde logo, aos governantes, uma “nova revisão do programa” de combate à desertificação, de forma a que, até 2030, sejam cumpridos os compromissos assumidos com as Nações Unidas, em matéria de neutralidade de degradação do solo, ou seja, um plano de ação para torná-lo mais fértil e sustentável, sendo esta uma via para fixar população ativa nos meios rurais. Nesta área, o TdC recomenda ainda aos dois governantes que definam as medidas a tomar, identificando as entidades responsáveis, a sua calendarização e custos, lê-se no relatório.

Os juízes salientam ainda que a atribuição de apoios aos projetos que combatem a desertificação – que resultam de fundos comunitários – é “pouco consistente” e têm “um impacto diminuto”. Isto apesar de se ter verificado que projetos em causa teriam “relevância” para o combate à desertificação.

Por isso, os juízes entendem que devem aumentar “os incentivos” para “culturas agrícolas ajustadas” que travem a desertificação, devendo ser criados, por exemplo, “apoios especificamente dirigidos a zonas em risco de desertificação” ou uma “majoração de apoios e medidas específicas para áreas afetadas”.

O TdC defende ainda que o Governo deve “promover a aprovação de legislação adequada” e que seja ponderada uma linha de ação, em cooperação com Espanha, para o combate à desertificação.

Ao ICNF, os magistrados dizem ser necessário “reforçar os meios humanos” para que seja favorecido o funcionamento e a “eficácia” do programa.

 

Área desertificada aumentou 22%

De acordo com o relatório do TdC, Portugal é um dos países europeus com maior risco de desertificação. Os dados mais recentes – que foram recolhidos para preparar o programa de desertificação – apontam para que nos entre 1980 e 2010 (em 30 anos) a desertificação tenha afetado mais de metade do território nacional, ascendendo a 58%, a que acrescem ainda as áreas áridas do sudeste da Madeira e as ilhas de Porto Santo, Desertas e Selvagens. São mais 22 pontos percentuais face aos 36% de área sinalizada como desertificada nos anteriores 30 anos, entre 1960 e 1990.

Além disso, na série climática do decénio 2000-2010, “cerca de 63% do território foi classificado como área suscetível à desertificação”, alerta a auditoria do TdC.

E esta crescente diversificação pode vir a resultar num “aumento significativo da temperatura média em todas as regiões” do país, estando prevista uma subida de 3OC da temperatura máxima na zona costeira e de 7OC no interior, durante o verão. Com este aumento de temperatura, as previsões apontam para máximas superiores a 35OC que serão acompanhadas por noites tropicais, com a temperatura mínima nos 20OC.

Além disso haverá um aumento “da frequência e intensidade de ondas de calor”, alertam os juízes do TdC tendo como base estudos e simulações de diferentes modelos climáticos que apontam que estas alterações deverão fazer-se sentir entre 2080 e 2100. Nessa altura, em Portugal, haverá também “uma redução da precipitação”.

O relatório do TdC refere ainda o último relatório da Comissão Europeia, de 2018, o “Atlas Mundial da Desertificação”, que traça um cenário global dos países europeus e onde são apontadas as razões que podem conduzir à desertificação. A Comissão Europeia alerta para a “erosão dos solos, salinização, urbanização e migração”, lê-se no documento.

Em traços gerais, como resultado das alterações climáticas, a Comissão Europeia prevê que até 2100 os países do sul da Europa, onde estão incluídos Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Bulgária deverão sofrer potenciais perdas no PIB entre 1,8% e 3%. Estas perdas económicas são resultado do impacto das alterações climáticas que se vão fazer sentir na agricultura, na energia, em cheias e inundações, em incêndios florestais, na saúde humana e na seca. Os estudos apontam que a curto prazo o número anual de pessoas afetadas pela seca suba para 153 milhões, das quais metade estão nos países da Europa do Sul. Este número é sete vezes superior ao número atual de pessoas que sofrem impacto da seca.

Em traços gerais, a Comissão Europeia alerta que em 2050, em todos os países europeus, 90% da superfície terrestre já estará degradada, o que levará a cerca de 700 milhões de pessoas deslocadas por causa da falta de terrenos férteis e sustentáveis.