Uma campanha alegre…

No afã de captar votos, Costa, terá descurado a prudência, tanto ao hostilizar os parceiros do Bloco, como o ‘animal feroz’

Estava escrito nos astros. Após uma prolongada apatia, Rui Rio abandonou o ‘retiro’ e ‘desceu ao povoado’, confessando o que lhe ia na alma, desde que foi eleito para liderar o PSD: está disponível para celebrar um acordo com António Costa, aconteça o que acontecer nas próximas legislativas, seja segundo ou primeiro (hipótese remota…), viabilizando outra minoria no Governo, mas tendo como álibi o compromisso de «reformas estruturais».

O pior cenário para o PSD (e não só, valha a verdade…) é que o PS consiga a almejada maioria absoluta, para a qual Costa tem trabalhado com afinco, elegendo como ‘aliados’ preferenciais o funcionalismo, os reformados e os pensionistas, esse imenso eleitorado dependente dos cofres do Estado.

No fundo, o que Rio mostrou na entrevista à TVI é que ainda ‘acredita no Pai Natal’. Ou seja, oferece-se como ‘boia de salvação’ alternativa à direita, para evitar que Costa ‘suba ao muro’ outra vez e chame pela extrema esquerda, caso precise de um ‘suplemento’ para compor a maioria parlamentar.

Em quatro anos – e apesar de todas as asneiras e ausências em momentos críticos –, Costa livrou-se do naufrágio da sua derrota eleitoral, que poderia ter-lhe liquidado as aspirações políticas, tapou os rombos e ainda amarrou Catarina e Jerónimo, em silêncio, aos ‘remos da galera’.

Recuperado do susto, se sair vencedor em outubro, mesmo por ‘poucochinho’, Costa poderá escolher, à direita ou à esquerda, entre Rio, Catarina ou Jerónimo, todos em ‘estado de carência’.

Se obtiver maioria, então até poderá ter um gesto magnânimo e distribuir ‘rebuçados’ à sua esquerda, para a compensar do que calou com a ‘geringonça’… e para continuar calada.

Este último cenário será, provavelmente, o que mais custará a José Sócrates, no seu ‘exílio dourado’ da Ericeira.

Ao publicar uma epístola agreste no Expresso, o ex-primeiro-ministro soube aproveitar o ‘deslize’ de Costa , ao considerar que «os portugueses têm má memória das maiorias absolutas, quer as do PSD quer a do PS», zurzindo-o ‘forte e feio’.

Sócrates lembrou-o mesmo de que fez parte e foi número dois desse Governo com poderes «absolutos», e aproveitou para desabafar que nunca esperou que ele enveredasse pela «diabolização dos seus próprios governos». Pelos vistos, conhecem-se mal.

O texto de Sócrates, escrito num tom azedo, lançou uma inesperada e divertida polémica no arranque da campanha eleitoral.

De facto, o «ativo tóxico», como lhe chamou Marques Mendes na SIC, enquanto não é convocado pelo juiz Ivo Rosa – a quem caberá ditar o ‘veredicto’, sentando-o ou não em tribunal – aproveitou para convocar a memória, e recordar a participação de Costa na governação socialista que preparou o desastre. Ele e mais alguns ministros que por lá continuam.

Mas o primeiro-ministro em exercício soube preparar o terreno. Repare-se, por exemplo, como se distanciou dos dossiês mais polémicos, desde os casos mediáticos a correr na Justiça, ao descalabro dos hospitais e outros serviços públicos.

Intuitivamente, percebeu, também, que o eventual crescimento do Bloco – agora ‘travestido’ com um programa ‘social-democrata’, segundo Catarina, com a originalidade de achar que renacionalização da banca «não é um papão» – poderia transtornar-lhe os planos e, por isso, nada como trocar os favores de um partido de extrema esquerda pela ‘compostura’ dos comunistas ‘institucionais’.

E se anteriormente o PS era suspeito de promover contas públicas desregradas, importa retirar à direita essa bandeira e exibir o ‘défice mais baixo da democracia’, pouco importando como foi obtido.

O ‘milagre’ de Centeno, tão enfaticamente incensado, é um ‘mistério’ que se resume, afinal, em dois passos: aumento de impostos indiretos (designadamente nos combustíveis) e cativações cegas de verbas orçamentadas, além do congelamento do investimento público.

Ao ‘decretar’ o fim da austeridade, distribuindo umas ‘migalhas’ pelo funcionalismo – depois de ‘amansá-lo’ com as 35 horas semanais –, o Governo agravou a carga fiscal e recorreu, friamente, a medidas restritivas, que lançaram o caos na administração pública.

Depois, se o PS era suspeito de ‘amiguismo’ ou de proteger personalidades controversas, nada como praticar um certo exorcismo, e dizer, sem corar, que «nos dois anos que fui ministro do engenheiro José Sócrates nunca tive nenhum sinal que me levantasse a menor suspeita sobre o seu comportamento». E daí lavou as mãos.

No afã de captar votos, o primeiro-ministro em exercício terá descurado, contudo, a prudência, tanto ao hostilizar os parceiros do Bloco, como o ‘animal feroz’ de que se reclama Sócrates. Mas o que a este dói, talvez, é ver Costa na mó de cima, imitando-o tão bem…