Férias sabáticas

No início deste Verão, uns amigos deram-me a má notícia: ‘O Xico fechou’. Primeiro reagi com incredulidade, mas depois percebi o que se passou.

Em Tavira, do lado de lá do rio, num bairro novo, semi-incógnito, há um restaurante simpático chamado Restaurante do Xico, O Casarão.

Xico é naturalmente o nome do dono. Mas porquê O Casarão? Porque era o nome da novela brasileira que passava nessa altura com sucesso na RTP.

Descobrimo-lo nos anos 70 e depressa o adoptámos como um dos restaurantes favoritos da família. Era bom e barato. Tinha peixe sempre fresco e comia-se pelo equivalente, hoje, a 5 ou 6 euros. Quem fazia a conta era o patrão – e fazia-a a olho: olhava para a mesa, contabilizava as bebidas, perguntava se tínhamos comido camarão e atirava um número.
O preço variava sobretudo de acordo com as bebidas consumidas e com termos ou não comido camarão – um camarão frito em azeite e alho que era um dos luxos da casa e que sabiam maravilhosamente.

Nos primórdios da casa, o Xico era quem fazia quase tudo: levantava-se de madrugada para ir comprar o peixe à lota, superintendia à grelha – a maior parte dos clientes escolhia peixe grelhado – e ainda arranjava tempo para dar uma assistência às mesas e fazer as contas. A ajudá-lo, tinha apenas dois ou três jovens empregados, conforme a afluência…

Mas para lá do bom peixe e dos preços baixos, O Casarão tinha outros atributos. A sala principal não era bonita — era demasiado nua e fria, com o chão de mosaico vidrado e paredes despidas, quase sem decoração – mas em contrapartida tinha um pátio delicioso. Um espaço murado a toda a volta, cheio de plantas, que ao cair da noite se enchia de um odor inconfundível – produzido por uma planta com o inspirador nome de ‘dama da noite’. Envolvidos por esse cheiro e a contemplar as estrelas, era assim que comíamos nesse pátio.

Entretanto, o Xico envelheceu e a responsabilidade da casa foi assumida por um filho. O pai ainda ajudava na compra do peixe na lota e na assistência à grelha, mas já pouco ia à sala. Até que deixou de trabalhar – ficando a dormitar todo o tempo numa mesa a um canto, por não conseguir deixar de ir diariamente à casa que fundou e que foi, afinal, a sua vida.
O filho, porém, tinha outras pretensões.
De outra geração, com outra cultura, parecia não se satisfazer com a gerência de um restaurante popular. Começou a pensar noutros voos. Dentro da restauração, mas com outro conceito – menos popular, mais sofisticado. Chegou a pôr a casa à venda, mas ninguém lhe deu o que queria e recuou.

Deve dizer-se que, com o andar do tempo, a clientela fora mudando. Começou por ser gente da terra, modesta, mas a pouco e pouco o restaurante foi sendo descoberto por estrangeiros, gente da classe média reformada que se estabeleceu no Algarve para viver a velhice.
Tocada pela simplicidade da casa, foi percebendo as suas virtudes – essencialmente, o seu lado genuíno, ainda não ‘contaminado’ pela civilização. E de tal modo essa clientela se tornou importante que, semanalmente, o restaurante fazia um prato especialmente dedicado aos estrangeiros. E eles correspondiam: às sete da tarde já todas as mesas estavam ocupadas.
Com isso – e com outro tipo de gente que foi aparecendo –, o Xico passou a ter clientes todo o ano, e já não apenas nos meses de Verão.

No início deste Verão, uns amigos deram-me a má notícia: «O Xico fechou». Primeiro reagi com incredulidade, mas depois percebi: o rapaz fartara-se. Dera vários sinais e acabara por tomar a decisão de fechar.

Um destes dias passei lá à porta para confirmar. E aquela informação não era exatamente verdadeira. Um papel colado no vidro dizia: «Fechado para férias sabáticas. Reabre a 10 de Setembro». Férias sabáticas… Sorri para dentro e comentei para mim: o homem está farto de gente, de andar a correr, de ter filas à porta de pessoas à espera – e decidiu fechar no Verão e só reabrir à beira do Outono. 

Omês antigamente mais forte para muitos restaurantes no Algarve, que dava para se aguentaram todo o resto do tempo, começa a ser um mês indesejado. À medida que o Algarve vai tendo movimento ao longo do ano, pela afluência mais regular de turistas portugueses e pelos estrangeiros que para lá foram viver, os restaurantes mais frequentados começam a abominar o Verão.
É compreensível. Aconteceu com outros lugares turísticos, como Barcelona ou Veneza, onde os habitantes locais se sentem intrusos na sua própria terra e já deitam turistas pelos olhos.
Mas esta de ‘férias sabáticas’ é que eu nunca tinha visto. Não me deu jeito nenhum, pois gostava de lá ter ido, mas percebo. E antes assim do que fechar de vez.