A técnica do disfarce…

O Bloco tem um ‘programa social democrata’, simulando que pôs de parte o radicalismo…

Quase meio século volvido sobre o redescobrimento da democracia , após ‘trabalhos de parto’ turbulentos que quase a matavam à nascença, esta cresceu e amadureceu, mas hoje vive no meio de incertezas e de vicissitudes, condicionada por três parceiros que não se assumem e que disfarçam as intenções enquanto lhe juram fidelidade…

É certo que nem o PS, nem o Bloco ou o PCP se mostram esquisitos. Mas, conscientes de que a experiência a três pode trazer dissabores com o tempo, afadigam-se em fingir que não têm razões de queixa, e apesar de serem conhecidas de sobra as suas idiossincrasias mais genuínas, ainda procuram convencer os incautos de que são aquilo que não são. Uma impostura. 

É assim que o PS, esbanjador e mitómano com Sócrates, se ‘reciclou’, orgulhando-se agora de uma virtuosa habilidade para ter as contas certas, mesmo com sacrifício do essencial , desde os hospitais à generalidade dos serviços públicos. 
O caso da Saúde brada aos céus. Entre 33 países analisados pela OMS, em 15 aumentou a despesa com a saúde, em 14 manteve-se e diminuiu apenas em quatro. Portugal foi um deles. E mesmo o funcionalismo que se cuide. Doravante, a ADSE vai impor limites ao financiamento de novos medicamentos para o tratamento do cancro. É este o ‘paraíso’ do défice mais baixo da democracia…

Entretanto, o Bloco de Esquerda, que aspira a ser o favorito em nova parceria, fez saber, sem vergonha nem acanhamento, que, afinal, até tem um ‘programa social democrata’, simulando que pôs de parte o radicalismo que costuma abrilhantar os seus acampamentos de Verão. 

Já o PCP , fiel a velhas manhas e a manhãs que cantam, simula que prefere um comportamento clássico, sem ‘modernices’ que comprometam a sua fama institucional. 

Fora deste círculo da ‘geringonça’, alinham-se outra vontades menos confessáveis. 

O PSD, partido mais votado em 2015, resignou-se à maioria contranatura que lhe pôs a ‘trouxa a porta’ e, pela mão de Rui Rio, ‘travestiu-se’ de esquerda, para agradar aos novos senhorios do condomínio. 

O CDS, ainda esboçou alguma resistência, mas hesita sempre entre ser de direita ou de centro – ou até de esquerda, quando quis dar lastro aos professores. 

E até o PAN, já pôs os animais de companhia a bom recato – prometendo-lhes inclusive um Serviço Nacional de Saúde –, para se dedicar, de corpo e alma, à ‘emergência climática’. que está na moda. Moralista, com tiques autoritários num programa polvilhado de enormidades, abraçou também, em nome dos bons costumes, a causa das beatas na rua. É menos nobre, mas dá nas vistas.
Quanto aos Verdes, são geneticamente vermelhos por dentro, mas já nem disfarçam e são tolerados como uma espécie de berloque entre os acessórios comunistas.

Na órbita deste conjunto com assento na ‘Casa da Democracia’ – mau grado ser abrigo de alguns que, de democratas, nunca tiveram nem têm nada –, há outros com aspirações a partilharem dessa ‘alta roda’ de eleitos. 

Um deles, a Aliança, de Pedro Santana Lopes, diz ser um partido empenhado em «libertar os portugueses da asfixia partidária em que o país se afundou (…) e das amarras da Frente de Esquerda». 

O programa é ambicioso. Na prática, porém. e no primeiro teste eleitoral, o partido foi o primeiro… da ‘liga dos últimos’. Apesar do fraco resultado, conta eleger, ao menos, um dos seus membros para o clube restrito de S. Bento. 

De entre os mais pequenos, à esquerda, o Livre, de Rui Tavares – o dissidente do Bloco em rutura com Louçã –, respira otimismo e já se antevê à frente de um grupo parlamentar. Utopias…

Entre os partidos que fizeram ‘prova de vida’ no Tribunal Constitucional, registe-se a Iniciativa Liberal como o mais criativo, pelo menos nos outdoors, distribuídos em profusão pela cidade, o que é um curioso teste à eficácia desse meio de sensibilizar os eleitores. 

Nas Europeias, os liberais não chegaram a um por cento. E, ao contrário dos ‘grandes’, não apostam num rosto. Uma originalidade que lhes pode custar o ‘passaporte’ para as televisões, que adoram a política fulanizada.

Finalmente, no campeonato dos ‘mais pequenos’, teima ainda Marinho e Pinto, que perdeu Bruxelas e aspira sentar o PDR em S. Bento. Se não conseguir, resta-lhe aderir a uma ‘família’ bem posicionada e continuar… a ‘partir a loiça’.
Diz-se que o sistema político português é fechado. E assim parece. Depois do 25 de Abril e se excetuarmos a ‘aventura’ do PRD, do general Eanes, as várias ‘famílias’ vigiam-se e repartem o poder, com grande vantagem para os socialistas que, em 45 anos de democracia, governaram durante quase dois terços do tempo, incluindo a pré-bancarrota de Sócrates. É obra. 

Bem se compreende, por isso, que não queiram perder a chave de acesso ao pote…