«Sorri. Estás a ser manipulado»

Esta frase, que a Patrícia e a Cristina me enviaram, fotografada em Tomar, diz: «Sorri. Estás a ser manipulado». Enquadrada por um ecrã de televisor, pretende significar que a comunicação social, tal como as redes sociais, nos manipulam.

Muitas vezes entramos em lojas ou outros estabelecimentos comerciais e vemos um cartaz que diz: «Sorria. Está a ser filmado», para nos avisar de que esse local possui câmaras que filmam tudo o que aí se passa. Ironicamente, dizem-nos para sorrir, como se fosse nossa vontade ser captados por essas imagens. É quase uma ofensa e uma invasão da nossa privacidade, mas que já aceitámos por percebermos a necessidade de proteger as lojas contra possíveis furtos ou, também, de nos proteger, quando as câmaras captam imagens em locais de menor afluência.

Porém, esta imagem na parede, ao ironizar com a frase mais conhecida, pretende avisar-nos contra a informação que nos é fornecida e que depende sempre de quem a seleciona, de quem a transmite e da forma como o faz. Só se lêssemos todos os jornais, de todos os países, e víssemos os serviços noticiosos de estações televisivas e radiofónicas nacionais e estrangeiras é que poderíamos ter uma noção mais abrangente e aproximada do que se passa à nossa volta.

Todos nós já sentimos que há temas que, para nós, têm interesse e não são abordados pela comunicação social, tal como há temas que nos são apresentados e em nada nos interessam. Além disso, as perspetivas com que determinadas questões são veiculadas são, muitas vezes, enviesadas e pretendem servir interesses particulares.

Diz, ironicamente, em Jogos de Raiva, Rodrigo Guedes de Carvalho: «O jornalismo precisa do que acontece. Claro que também gosta de anunciar curas para doenças, gestos de boa vontade, vitórias pontuais de líderes democráticos. O jornalismo de hoje é o jornalismo de sempre, só que com um exagero da ideia, visto ter agora tantas armas com que disparar, imagens em movimento, sons, cores».

Recordo, a propósito o «Poema tirado de uma notícia de jornal» de Manuel Bandeira, um poema narrativo, onde o sujeito lírico se transforma em mera informação jornalística e rotineira de suicídio. A narração neutra, imparcial e objetiva confronta a linguagem poética com uma paródia da linguagem jornalística: «João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número / Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro / Bebeu / Cantou / Dançou / Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado».

Qualquer não-notícia é hoje uma notícia, contada ao mais ínfimo pormenor. Esta falta de informação rigorosa forma uma sociedade amorfa e desinteressada, que se acomoda e que não questiona verdadeiramente os poderes públicos sobre a forma como atuam, como gastam o nosso dinheiro, como não defendem o interesse comum.

Uma comunicação social séria, que informe verdadeiramente, que nos transmita factos mas também opiniões variadas de uma forma clara é fundamental para formar cidadãos informados. Só com informação rigorosa e plurifacetada é possível pensar verdadeiramente sobre o que acontece à nossa volta. E só com base nessa reflexão podemos formar as nossas próprias ideias, ter opiniões claras e exigir mais da classe política e económica.

Infelizmente, a promessa de que a tecnologia iria permitir um Homem permanentemente informado e esclarecido, pela possibilidade de acesso a uma multiplicidade de fontes de informação, revelou-se idílica, uma vez que as novas tecnologias também trouxeram consigo preocupantes ameaças, como a manipulação informativa, designada por «fake news» ou, quase ironicamente, «pós-verdade».

Em 2015, a União Europeia criou o Grupo de Trabalho “East StratCom” para combater a desinformação, e, em 2016, adotou o Quadro comum em matéria de luta contra as ameaças híbridas, e tem procurado aconselhar os governos e determinar medidas tendentes a denunciar e punir a manipulação desinformativa (que, como todos sabemos, teve efeitos desastrosos visíveis na Catalunha e no Brexit, para além do que sucede nos EUA e no Brasil). Porém, esta medida da União Europeia não é suficiente.

Curiosamente, em crónica recente, Clara Ferreira Alves defende a comunicação social séria que é feita em Portugal, por contraposição à de alguns outros países: «As notícias dos jornais e telejornais portugueses, sérios, são um espelho do país. Em outros lugares, as notícias são de diferente estilo e dimensão. Oscilações ideológicas e geoestratégicas, os altos e baixos da economia, as negociações políticas internas e externas e respetivas intrigas, a nova praxis mundial assente na falta de educação, as modas e lazeres e os múltiplos assuntos idiotas que parecem ocupar as notícias e que aparecem à cabeça dos mais lidos». 

E, se uma coisa é a comunicação social séria, outra é a que veicula «notícias» tão interessantes como «Casal recupera cão roubado há nove meses». Quase premonitoriamente, Alexandre O'Neill no poema «Que é notícia?» diz: «Que é notícia? / Um hoje que nunca é hoje, / um amanhã que é já ontem / entre ontens que se perdem / no anteontem dos anos / no tresantontem dos lustros… // (…) // Que é notícia? / Cão perdeu-se! Por que não? / Cão achou-se! Ainda bem! / Ainda melhor, por sinal, / se o cão perdido e o achado / forem um só e o mesmo / “lidos” no mesmo jornal!»…

Somos constantemente manipulados, e termos essa consciência é já um bom princípio para exigirmos informação fidedigna e séria, que nos permita pensar e, em consonância, atuar. Haja esperança, em nós, nos outros, no mundo. Haja, também, amor…

 

Maria Eugénia Leitão