Valete em polémica após novo videoclipe: “Anda aqui uma mulher a fazer campanhas contra a violência doméstica e tu baralhas-me isto tudo”

Músico é conhecido pelo seu rap de intervenção, mas chocou grande parte dos utilizadores com o seu novo videoclipe. Vários figuras públicas decidiram expressar a sua opinião. Rapper garante que não dá importância a “minorias”.

Valete, nome artístico de Keidje Torres Limas, está envolvido em polémica, depois da divulgação do seu último videoclipe musical.

O rapper português lançou a música “BFF” e está a ser acusado de apelar à violência doméstica e de humilhar o sexo feminino. Em causa está o videoclipe do tema, que se baseia na traição de uma mulher com o melhor amigo do seu marido. O protagonista surge a ameaçar a mulher com o cano de uma arma na sua boca, enquanto a acusa de viver às suas custas, e surge depois a apontar a mesma arma ao amigo que o atraiçoou. No fim, tudo não passava de um pesadelo.

Sónia Tavares, vocalista dos The Gift, foi uma das pessoas que se insurgiu contra as imagens escolhidas por Valete para o seu novo tema. “C…… Valete, anda aqui uma mulher a fazer campanhas contra a violência doméstica e tu baralhas-me isto tudo. És um tipo tão inteligente, escreves tão bem mas este vídeo não dá…As crianças também gostam de ti e não vão perceber que este vídeo pode ser um abre olhos. Uma voz ativa como a tua era essencial na campanha contra a violência” escreveu.

O comentário da artista mereceu resposta do rapper, que se defendeu dizendo que contou apenas “uma boa história”.

“Sónia Tavares cuidado com a condescendência. Não confundas luta feminista com PIDE. Onde está decretado que não se pode fazer ficção sobre violência?? Como fiz em toda a minha vida contei uma boa história, consegui levar para um registo cinematográfico e chegamos a este resultado. É uma boa história e bom cinema. Nada mais. Dissertações sobre homicídio passional, violência doméstica cabem-te a ti. A Sónia e a sua gang da PIDE decretaram agora que não se pode fazer filmes com violência e que não se pode fazer arte sem mensagem. Já agora manda também mensagens ao Scorcese [realizador americano, autor de Taxi Driver, Goddfellas e Casino] quando ele põe maridos traídos a matar esposas nos filmes dele. Esta mensagem é surreal vinda de uma artista como tu”, disse Valete.

Mas a troca de comentários continuou.

“Não, querido Valete, era só uma opinião, eu não decreto nada. O meu sobrinho adora-te, tem 11 anos e não percebeu nada. Era só isso. (…) Acima de tudo o meu comentário elogia o teu trabalho. É só o meu ponto de vista. (…) Eu luto contra todo o tipo de Pides, e não o contrário", justificou Sónia Tavares.

“É uma curta-metragem igual a muitos filmes que ele vê todos os dias. Entendes que sou artista e tenho de me expressar da maneira que me apetece expressar. Ainda bem que o teu sobrinho gosta, mas eu não faço música infantil, nunca fiz. Bem pelo contrário. Como te disse é só a obra de um contador de histórias a querer contar uma boa história. Associar aquela obra a violência doméstica ou humilhação da mulher é super rebuscado", disse Valete, que acabou por ver a vocalista comentar que apenas gostava de ver a história contada “ao contrário”.

Mas Sónia Tavares não foi a única a deixar críticas ao músico.

"Esperei impacientemente pelo fim do vídeo para ver qual a emancipação mental que a música podia trazer… Zero. A nível técnico de construção fonética e lírica, impecável claro, agora de substância e contributo para a construção social e humana nadinha”, começa por referir um comentário feito no Facebook.

“Pelo contrário, o relato de uma história tipo igual a 1000 assassinatos de mulheres em Portugal. O juiz Neto de Moura é que argumenta que traição pode dar morte legítima, ou que é normal bater numa mulher com uma moca com pregos. Podem dizer que é um sonho, não interessa… por alguns comentários aqui se percebe que isso é irrelevante. Tinhas aqui uma bela hipótese de nos trazer uma música na linha da ‘Não te adaptes’ [música de Valete sobre o papel da mulher] mas não… Profundamente desiludido…”, acrescentou.

"Do Valete espero rimas pesadas e mensagens fortes que nos ajudem a sermos melhores seres humanos. Não é o caso", refere outro comentário.

Também o humorista Diogo Faro utilizou o Twitter para comentar o tema de forma irónica.

“A nova música do Valete está excelente. É importante em 2019 continuar a retratar a mulher como propriedade do homem e o homem como um atrasado mental. Fazia falta isto, de facto”, escreveu.

Por outro lado, houve quem elogiasse o trabalho de Valete, entre eles o músico Dino  D’Santiago, responsável pela pós-produção do tema.

“Modo repeat pela madrugada dentro”, escreveu o músico, que acabou a ser criticado. “Num país como Portugal, onde os casos de violência doméstica têm vindo a aumentar de ano para ano, é vergonhoso ver o tema abordado de forma tão leviana", disse.

“Estamos em 2019, ano em que 20 mulheres já morreram vítimas de violência doméstica. (…) Ele devia aproveitar a projeção que tem para passar outras mensagens”, refere outro comentário.

Ainda assim, são inúmeros os utilizadores que elogiam a música. “Obrigado Valete”, disse um utilizador.

“És dos melhores que alguma vez representaram o hip-hop português. Ascendeste a um nível lendário dentro desta cultura. Não pares de fazer isto, continua a fazer este rap fortíssimo e nós vamos continuar a ouvir-te”, escreveu outro.

“Arte no seu estado puro. Valete não desilude”, elogiaram.

Ao Diário de Notícias, o rapper negou que a música tivesse qualquer mensagem e admite que a personagem “machista” foi propositada.

 "Que mensagem? O que viste ali é um cineasta e um novelista a contar uma história – não há mensagem. Quando faço uma obra há sempre um grupo que não entende. Acho que é um grupo minoritário e geralmente de pessoas preconceituosas em relação ao rap. O preconceito vem dessa coisa de as pessoas quererem perceber o objetivo. A minha arte não é unidimensional, nunca foi. Tenho um fascínio incrível pelo comportamento humano, a psicologia humana. Criei uma personagem machista de propósito”, justificou.

"Não é a primeira vez que há má interpretação de músicas. Daí que eu tenha decidido deixar de me preocupar com essas más interpretações. Não posso estar a despender esforço para justificar à esquerda e à direita. Fiz a obra, a maior parte das pessoas entendeu. E houve um grupo pequeno de feministas que não gostou – feministas de classe média alta, que não ouvem rap. E um grupo de machistas ignorantes que também não entendeu", acrescentou, referindo que não dá “muita importância a minorias”.