Clima. ‘Estamos a perder a corrida’

Boa parte dos signatários do acordo de Paris não estão a cumprir as suas metas. Há poucas histórias de sucesso.

Num momento em que o mote «emergência climática» se tornou um lugar comum, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, vai enfrentar os líderes mundiais – boa parte dos quais não está a cumprir com as metas do acordo de Paris, assinado em 2015. A Cimeira do Clima, marcada para esta segunda-feira, pretende delinear o percurso da corrida contra as alterações climáticas. E Guterres já deixou o recado: «Estamos a perder a corrida».

Apesar da crescente consciencialização ambiental e de todos os compromissos assumidos em Paris, em 2018 assistimos a um aumento de 2,1% nas emissões anuais de gases com efeito de estufa, de acordo com a revista Nature. Boa parte deste aumento foi provocado pelo aumento de 2,3% no consumo global de eletricidade – mais do dobro da média desde 2010, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). Nem o aumento significativo da procura de energia renovável – sobretudo na Europa e na China – conseguiu responder a tal aumento do consumo energético.

Entretanto, o planeta mantém a rota para um aumento global da temperatura na ordem dos 3,5 ºC, ainda este século, segundo os números da ONU. Um valor bem acima dos 1,5 ºC a que aspirava o acordo de Paris – que ficou pelo compromisso de manter o aquecimento global abaixo dos 2ºC.

«A última vez que a Terra experienciou uma concentração de CO2 comparável à atual foi entre três a cinco milhões de anos atrás, quando as temperaturas eram entre 2 e 3ºC mais altas e o nível médio do mar 10 a 20 metros superior», afirmou o secretário-geral da Organização Meterológica Mundial, Petteri Taalas. «As alterações climáticas terão um efeito cada vez mais destrutivo e irreversível na vida na Terra», avisou.

 

Boas notícias

Nem tudo são más notícias. Apesar das reticências dos Estados Unidos (ver ao lado) e dos incumprimentos do acordo de Paris por outros países – algo facilitado por não haver punições para os infratores – destacam-se os esforços de vários signatários.

Um dos maiores sucessos é mesmo aqui ao lado, em Marrocos – cujos objetivos, a serem aplicados globalmente, permitiriam conter o aumento de temperatura em valores abaixo dos 1,5 ºC, segundo o Climate Action Tracker. Este plano tem como alicerce as energias renováveis, que já compõem 35% da produção elétrica marroquina, prevendo-se que essa percentagem de renováveis chegue aos 52% em 2030, segundo o Morocco World News. Algo para que contribui a maior central solar térmica do mundo, Noor Ouarzazate, com uma área equivalente a 3500 campos de futebol – e capaz de abastecer duas cidades do tamanho de Marraquexe, lê-se na National Geographic.

A energia solar também está no centro do plano do Gâmbia, que pretende levar energia limpa a todo o país – incluindo às zonas rurais – graças à construção de uma central fotovoltaica e de novas estruturas de distribuição elétrica. O projeto arrancou este ano, e conta com o apoio do Banco Mundial e da União Europeia – que contribuem com um total de 142 milhões de euros, segundo o North Africa Post.

 

‘Insuficiente’

Quanto à União Europeia – onde a retórica ambientalista tem ganho cada vez mais espaço mediático – os seus esforços mereceram a qualificação de «insuficientes», pelo Climate Action Tracker. Por um lado, as atuais políticas europeias – se plenamente postas em vigor – deverão reduzir em mais de 40% as emissões de gases com efeito de estufa – a meta da UE no acordo de Paris. Por outro, dado que os compromissos de Paris foram estabelecidos pelos próprios países, muitos notam que as metas da Europa são pouco ambiciosas, mantendo níveis de emissões que levariam a um aumento de 2ºC, se fossem aplicados globalmente. Algo que não é de desprezar, dado a UE ser coletivamente a terceira maior emissora de gases com efeito de estufa – atrás dos Estados Unidos e da China.

Quanto aos esforços de Pequim, mereceram a classificação «altamente insuficientes» – não só as emissões de CO2 não diminuíram, como aumentaram em 2,3% o ano passado. A China é o maior emissor de gases com efeito de estufa do mundo e o maior consumidor de energia do carvão – o combustível fóssil mais poluidor. Esta encruzilhada económica será determinante para o planeta, e tudo indica que Pequim esteja a correr no sentido contrário ao do acordo de Paris, tendo recentemente acelerado a construção de centrais elétricas a carvão.