Segundas eleições levam a novo impasse em Israel

Netanyahu apelou a um Governo de unidade nacional com o seu maior rival. Gantz abre portas a uma coligação com o Likud, mas só se Netanyahu sair de cena.

As segundas eleições legislativas em apenas cinco meses em Israel produziram um cenário complexo, causando mais um impasse para a formação de um Executivo. O primeiro-ministro em funções, Benjamin Netanyahu, do Likud, centro-direita, foi rápido a apelar a um Governo de unidade nacional com o seu principal rival, o centrista e antigo general Benny Gantz, da aliança Azul e Branco. Gantz não deu uma resposta negativa ao Likud, mas disse que apenas o faria se Netanyahu saísse de cena.

Numa campanha eleitoral polarizadora, ‘Bibi’ fez de tudo para ganhar vantagem nos votos. O Likud publicou no Facebook: «Os árabes querem destruir-nos a todos – mulheres e homens – e permitir um Irão nuclear que nos irá matar». Palavras que levaram à suspensão da conta do partido no Facebook antes das eleições. Por outro lado, Netanyahu caracterizou o Azul e Branco como esquerdistas mansos, que não saberiam lidar com os perigos que Israel enfrenta, prometeu anexar o Vale do Jordão – um terço do território palestiniano – e «todos os colonatos judaicos» na Cisjordânia. Mas quando soube os resultados vestiu a pele de conciliador. «Apelo-te, Benny, encontremo-nos hoje, a qualquer hora, a qualquer altura, para iniciar este processo», disse Netanyahu, numa mensagem de vídeo, na quinta-feira.

O político de 69 anos e o primeiro-ministro israelita há mais tempo no poder luta pela sobrevivência política e talvez mesmo pela sua liberdade. Netanhyahu enfrenta três casos de corrupção, cujas audiências irão-se iniciar daqui a duas semanas, a 2 de outubro. No entanto, poderá ter imunidade caso se mantenha no Governo e, para isso, tem o apoio do Likud. «Decidimos unanimemente que iremos avançar com as negociações para estabelecer um Governo liderado por mim», afiançou Netanyahu, na quarta-feira. O atual primeiro-ministro até tem dado a entender que poderá estar disposto a aceitar partilhar o poder com o líder do Azul e Branco, num esquema de rotação no cargo de primeiro-ministro com Gantz, como foi feito nos anos 1980 entre Yitzkah Shamir e Shimon Peres. E interessa-lhe ser o primeiro a assumir o cargo para evitar as acusações de corrupção.

Porém, o líder Azul e Branco não parece estar disposto a formar um Executivo com Netanyahu. «O país escolheu a unidade. O país escolheu Israel primeiro», disse Gantz na quinta-feira, num comício em Tel Avive, respondendo ao apelo de ‘Bibi’ e declarando vitória. «O Azul e Branco, liderado por mim, ganhou as eleições […]. Estou interessado em, e pretendo, formar um Governo liberal, alargado e de unidade, sob a minha liderança. Um Governo que traduza a vontade do povo. Um Governo nacional paralisado não beneficia o povo».

Quando Gantz se refere a um Executivo «liberal», significa que irá excluir o bloco de religiosos ultraortodoxos do Judaísmo da Torá Unidos e a coligação União dos Partidos de Direita, da antiga ministra da Justiça Ayelet Shaked, que se têm coligado com Netanyahu. Tanto um como o outro já disseram que recomendarão Netanyahu para o cargo de líder de Governo, ao Presidente de Israel, Reuven Rivlin, que iniciará os encontros para indigitação do primeiro-ministro no próximo domingo.

 

‘O líder certo para Israel?’

Nunca um partido teve maioria absoluta no Knesset, o Parlamento israelita, nos mais de 70 anos de história do país. O sistema eleitoral representativo em vigor obriga as formações a coligarem-se, de modo a serem capazes de governar. O partido de Netanyahu obteve 31 assentos parlamentares e a coligação Azul e Branco 33. Juntos, teriam uma pequena maioria de 64, num Parlamento com 120 lugares.

O bloco de Netanyahu – com os os ultraortodoxos – aglomerou 58 assentos, ficando a três lugares aquém da maioria: são precisos 61. O bloco de Gantz junta apenas 44 votos, com os apoios das formações sionistas de centro-esquerda, o histórico Partido Trabalhista e o Campo Democrático do antigo primeiro-ministro Ehud Barack. Todavia, existem muitos cenários possíveis, até mesmo a realização de uma terceira eleição. «É muito cedo para se perceber que tipo de Governo pode surgir da complexidade, provocadora de enxaquecas, das eleições de Israel», reconheceu  David Horovitz, editor do Times of Israel.

Mesmo com a complexidade advinda das eleições desta semana, alguns analistas defendem, na verdade, que a diferença entre o Likud e o Azul e Branco é mínima. «Ele [Gantz] é um centrista, o que, em Israel, significa uma posição muito belicista em relação a Gaza, Irão e Líbano, enquanto procura negociações com a Autoridade Palestiniana, sem alterar nada internamente em termos da política para os palestinianos em Israel ou quaisquer outras questões sociais ou económicas», afiançou ao SOL o historiador israelita, Ilan Pappé, da universidade de Exeter, no Reino Unido. Para Pappé, as eleições foram sobre um único assunto: «Se Netanyahu é o líder certo para Israel».

Opinião partilhada pelo jornalista Gideon Levy no diário Haaretz: «Somos uma grande nação: Não [somos] uma sociedade polarizada e dividida, como por cá lamentam dia e noite, mas [temos] sim um grande consenso».

 

‘A diferença entre Netanyahu e Gantz não é grande’

Embora a Lista Conjunta, coligação de quatro partidos árabes, tenha conseguido 14 assentos parlamentares, nem Gantz nem Netanyahu contemplam formar coligação com estes – nunca um partido árabe esteve no Governo, apesar de o sistema eleitoral israelita ser propício a coligações. «Estamos dispostos a sentar-nos no Governo com qualquer [partido] judaico e sionista», garantiu o líder Azul e Branco.

De acordo com uma análise do Haaretz, os votantes árabes – um quinto da população israelita – foram responsáveis pela vitória de Gantz nas eleições, dando-lhe mais um ou dois lugares no Knesset. «Eles não votaram em Gantz. O problema para os seus representantes, ao apoiarem Gantz neste momento, direta ou indiretamente, é que poderá ajudar a depor Netanyahu, o que eles querem que aconteça», diz o historiador Illan Pappé ao SOL, acrescentando que o objetivo dos partidos árabes é extrair de Gantz a revogação da «lei apartheid», a lei aprovada no ano passado que especifica o Estado de Israel como o estado-nação do povo judaico: «Eles sabem perfeitamente que, no contexto mais alargado, a diferença entre Netanyahu e Gantz não é grande». E no que toca ao Irão, país arqui-inimigo de Israel, «eles concordam completamente», garante o historiador.

Sentindo-se marginalizados pelo processo político israelita, os cidadãos árabes costumam ter altas taxas de abstenção nas eleições. Mas o incitamento ao medo dos árabes por parte de Netanhyahu parece ter tido o efeito oposto, cuja participação pode ter crescido de 59%, em comparação com os 49% das eleições de abril, de acordo com Arik Rudnitzky, do Instituto Democracia em Israel, citado pelo Haaretz. «A disposição [agora] é de integração e não de boicote», explicou Mohammad Darawshe, do Centro de Igualdade de Givat Haviva, em Israel, ao New York Times.

 

‘Vale do Jordão já está anexado’

Já quando Netanyahu prometeu anexar o Vale do Jordão, Gantz correu para reivindicar que esse plano era, na verdade, seu: «O Azul e Branco tornou claro que o Vale do Jordão faz parte de Israel para sempre. Netanyahu desenhou um plano para ceder o Vale do Jordão em 2014. Estamos felizes que o primeiro-ministro tenha adotado o plano do Azul e Branco para reconhecer o Vale do Jordão». Com ou sem Governo do Likud, Pappé garante que o Vale do Jordão será efetivamente anexado, mais cedo ou mais tarde: «Já está de facto anexado».

Em Israel, a política é dominada pelo chamado conflito israelo-palestiniano e como resolvê-lo. O espetro partidário israelita é abafado pelo sionismo – movimento nacionalista judaico responsável pela criação do Estado de Israel -, uma ideologia que só não é partilhada pelos partidos árabes.

Dos 120 lugares do Knesset, os partidos sionistas à esquerda do Azul e Branco, os trabalhistas e o Campo Democrático, obtiveram apenas 11 lugares. Ao invés, a coligação árabe atingiu o maior número de votos, ganhando apoio nas fileiras não sionistas do eleitorado israelita. Para Ilan Pappé, isso deve-se a uma contradição. «Eles não têm nada para vender: o sionismo é um movimento colonial e, por isso, se és sionista no século XXI, do ponto vista ideológico, não consegues garantir direitos iguais aos seis milhões de árabes que vivem entre o rio Jordão e o Mediterrâneo».